sábado, 18 de março de 2017

Prefácio ao livro 'O Canto da Esfinge', de Ângelo Monteiro




O Canto da Esfinge

Por Bernardo Souto, setembro de 2013

Nem todos sabem, mas, entre as décadas de 1940 e 1960, houve uma querela crítica em torno de uma suposta falta de brasilidade e de um possível anacronismo da poesia de Cecília Meireles — hoje considerada uma das mais altas vozes da lírica brasileira do séc. 20. Devemos ao ensaísta austro-brasileiro Otto Maria Carpeaux o sepultamento definitivo de tal querela. Para Carpeaux, “a poesia da Sra. Cecília Meireles é intemporal”. No entender do grande crítico, poesia intemporal (ou atemporal) é aquela que, por possuir inquestionável valor estético, transcende os acidentes e as contingências temporais, ou, caso queiramos fazer uso da já consagrada terminologia platônica, é aquela voltada para as questões essenciais da existência – tais questões, por constituírem a base ontológica comum a todo ser humano, jamais perdem a atualidade –. Resgatamos este capítulo de nossa história literária a fim de apontar este ponto de convergência entre Cecília Meireles e Ângelo Monteiro, ponto de convergência que, por sinal, une todos os autênticos artistas da palavra.

De fato há na lírica de Ângelo Monteiro aquele alicerce filosófico sem o qual, para G. K. Chesterton, a poesia se torna oca. É que, ao se voltar para as questões verdadeiramente fundamentais da condição humana – como a finitude, o exílio do homem, o sentido último da vida –  Monteiro, à maneira de Hölderlin, nos põe face a face com o mistério da existência, devolvendo à poesia o seu papel originário, que é de, segundo Johann Wolfgang von Goethe, ser “a voz do inefável”. Daí não ter sido à toa que o nosso poeta escolheu o título de Todas as Coisas Têm Língua para nomear a coletânea que reúne a maior parte de sua obra poética, uma vez que o autor de O Exílio de Babel sempre teve a convicção de que cabe à poesia a excelsa tarefa de traduzir “a linguagem divina através da qual a natureza se expressa”, para usarmos a feliz expressão de filósofo irlandês George Berkeley. Neste sentido, podemos dizer que o poeta é uma espécie de Prometeu, ainda que o destino daquele seja, no mais das vezes, menos trágico.

Se há um epicentro na lírica de Ângelo Monteiro, esse epicentro é o mistério. Não aquele pseudomistério de certas historietas góticas ou o mistério kitsch, que a indústria cultural transformou em mercadoria enlatada. Mas aquele mistério que aponta para a transcendência, para as bodas místicas (as palavras místico e mistério possuem, não por acaso, o mesmo radical). E foi precisamente por isso que utilizamos como critério para a seleção dos poemas que compõem esta antologia a baliza do mistério. Assim sendo, procuramos privilegiar as poesias que nos lançam diante dos mais intrigantes enigmas, pois, como nos diz o próprio poeta, “a palavra é outra esfinge/ a invocar no poço profundo/ a velha esfinge do destino”.

Fiquemos bastante atentos, portanto, ao Canto da Esfinge.


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MONTEIRO, Ângelo. O Canto da Esfinge. Recife: Edições Tarcísio Pereira, 2013.

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