quinta-feira, 17 de maio de 2018

Entrevista a Carlos Drummond de Andrade



Entrevista conduzida por Pedro Bloch, publicada originalmente na revista Manchete, nº 582 de 15/06/1963 e republicada no livro Pedro Bloch entrevista. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1989.

***

- Drummond, qual é a posição do escritor nos dias que vivemos?      
Este não hesita e dispara:
- A posição do escritor pode ser de pé, sentada ou deitada, conforme lhe resulte mais cômodo.
E, diante do espanto do mocinho, aconselha:
Menino, se você não é comunista, vá sendo logo, que é para deixar de ser depressa. Eu também já fui e deixei.
Não sei quem pôs na cabeça do Drummond que ele é gauche . ("Quando nasci, um anjo torto, desses que vivem na sombra, disse: vai, Carlos, ser gauche na vida.") Foi ele mesmo que inventou que é insociável. ("Mas se tento comunicar-me, o que há é apenas a noite e uma espantosa solidão.") Um homem que desperta ternura coletiva como ele, que tem um papo que faz a delícia de seus amigos ("Mas há que tentar o diálogo quando a solidão é vício. "), meteu na cabeça que existe uma barreira entre ele e o mundo. O homem do sentimento do mundo se protege com um verniz isolante que é fino e penetrável a qualquer calor humano. ("Eu sei quanto me custa manter esse gelo digno.")
Muita gente acha que Drummond fugiu de algum quadro de Modigliani. Pra mim ele esteve, mas foi metido em alguma obra de El Grecco e não quer dizer. Bom pai, extravasa, constantemente, a ternura que vota a Maria Julieta, casada com o advogado Manuel Grana Etcheverry (autor de uma curiosa utopia e que já lhe deu três netos).
Falar de mim, Bloch? Pra isso eu preciso de preparo espiritual. Minha filha, sim. Ela lhe diria tanta coisa! Calcule a falta que me faz: ela em Buenos Aires e eu aqui. Já recebi o Prêmio F. Chinaglia, outro dia. Agora, vem você. Já fica muito holofote em cima de mim. Eu não sei falar de mim. Criei carapaça de tartaruga. Não pense que todo mundo é como você. Ainda existe gente que diz mal de minha poesia. Aquela história da "pedra no caminho" ... Até hoje.
         Relembro quase sem querer:
         "João amava Teresa que amava Raimundo
         que amava Maria que amava Joaquim
         que amava Lili que não amava ninguém.
         João foi pros Estados Unidos. Teresa para oconvento.
         Raimundo morreu de desastre, Maria ficou pra tia.
         Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes.
        Que não tinha entrado na história."
Muita gente não compreendia razões, raízes, motivos. Não compreendia e, como como todos os que não compreendem, emitia opiniões definitivas.
A modéstia de prummond não anda, se esgueira. Não fosse seu ar de asceta, se diria conspirador. É sombra dele mesmo. Luís Jardim me conta que, um dia, ao ser apresentado a Drummond, se dirigiu para ele de mão espalmada, disposto a um daqueles apertões bem nossos, mas a mão "saiu como um suspiro". "Não pude nem tocar. Drummond é intocável." ("Toda essa mão para fazer um gesto que de intocável nunca se modela.")
Nasceu em Itabira de Mato Dentro, Minas, em outubro de 1902. ("Alguns anos vivi em Itabira./Principalmente nasci em Itabira./Por isso sou triste, orgulhoso, de ferro./Na cidade toda de ferro,/as ferraduras batem como sinos.") Filho de Carlos de Paula Andrade e D. Julieta Drummond de Andrade. ("Meu pai montava a cavalo e ia para o campo/minha mãe ficava sentada cosendo." "De Itabira touxe/este orgulho, esta cabeça baixa.") E Carlos Drummond de Andrade quieto e só, lia Robinson Crusoé, outro solitário. Fez belas descrições no grupo escolar. Em 1916 foi pro Colégio Arnaldo de Belo Horizonte. Lá conheceu Gustavo Capanema e Afonso Arinos. Em 1925 casou. E farmacêutico, mas nunca exerceu a profissão. Em 1925 entrou para a burocracia. ("Tive ouro, tive gados, tive fazendas./lHoje sou funcionário público./ltabira é apenas uma fotografia na parede./Mas como dói") Está aposentado.
Em 1930 surge seu primeiro livro: Alguma Poesia. Com a obra se avolumando, com o correr do tempo, surgiu, certo ano, um movimento para dar a Drummond o Prêmio Nobel de Literatura. ("O fato ainda não acabou de acontecer e já a mão nervosa o transforma em notícia.") A certa altura, começou a tomar vulto, mas foi o próprio escritor que desencorajou a idéia.
O homem que propôs isto é um estudioso e tradutor americano, mas sem credenciais. Em Portugal o movimento partiu de um ex-aluno de Literatura Brasileira, de Thiers Moreira. Em Minas fui alvo de tanta manchete, que me senti assim uma espécie de Miss Brasil. Não tenho condições para tal prêmio. Sou pouco traduzido e difundido no estrangeiro, minhas ambições não chegam lá.
Todos sabemos, porém, que elas poderiam chegar. Garanto a Drummond que ele é um Fernando Pessoa nosso. E, em certas coisas, com vantagem. Drummond sorri:
Quem dera! Fernando Pessoa era muitos poetas. Quem sou eu? Acho que poetas poucos conseguem sê-lo, e eu gostaria de ser um. O poeta verdadeiro precisa de aprendizado, de uma adequação da própria vida. A poesia, para mim, resulta de um desabafo, da inconformidade com o mundo. Ela contém, também (e muito), coisas irônicas, não poéticas. O poeta verdadeiro não é como eu, de formação irregular. É como um Dante, que tem uma mensagem imensa a viver.
Lembro a Drummond o que, um dia, me dissera Cecília Meireles:
"Poesia, para mim, é uma tentativa constante de dizer algo. A gente vai tentando dizer, torna a dizer de outra maneira e jamais alcança dizer o que realmente gostaria de ter dito."
Drummond concorda:
Se eu me sentisse bem integrado na vida, não sentiria necessidade de dizer mais nada. A poesia anda espalhada em todos. Minha empregada, outro dia, quando viu a televisão começar a cair, pegou-a na queda e explicou:
- Eu peguei ela na flor do ar.
Posso dizer o mesmo na minha técnica. Mas ela tem isso inato.
O verdadeiro poeta não é o que tem o dom. Dom todo mundo tem. O dom mais a experiência, mais o gosto dessa expressão é que fazem o poeta. ("Não forces o poema a desprender-se do limbo. Não olhes no chão o poema que se perdeu.")
É atrás dessas explicações que Drummond esconde sua grandeza verdadeira. Não é somente grande no verso. Na prosa, também, faz milagres. Tem maneira de dizer muito sua.
Ainda está convalescendo da gripe que o atacou e fala do vírus da gripe "esta porcariinha tão mais sutil que o micróbio, o ambíguo vírus que não é carne nem peixe, e que chega a cristalizar no organismo, como os inquilinos de apartamentos vendidos; o que se sabe de positivo a seu respeito é que é um refinado calhorda". Viu alguém melhor definição?
Falando do Rio de hoje, diz: "Compadre: escrevo-lhe sob a lanterna de pilha, pois não há certeza de que amanhã possa fazê-lo à luz do sol. Haverá sol?"
Chega a prodígios quando fala do pão de hoje, o antipão: "O pão de pau, contudo, ainda é pré-pão. Dele sairemos para o pão plástico ou pankex. E com as cores fascinantes que têm hoje os plásticos, os parquês vinílicos e os materiais de construção em geral, o pão eternil policromo e arrebatador."
- Somos casados há trinta e oito anos, me diz dona Dolores. - Carlos ainda era estudante.
O olhar que dirige ao marido revela a harmonia em que vivem. O poeta corrige:
Quarenta e três. As mulheres têm sempre a mania de diminuir a idade em tudo. E, com ternura, para a esposa:
Você não contou os cinco de namoro.
Nós nos conhecemos num cinema. Naquele tempo, em Belo Horizonte, não havia outro lugar pra gente se conhecer. Aliás, minto: havia a igreja. Mas naquele tempo eu era anarquista. Anarquista não podia ir à igreja, podia? ("Uma flor nasceu na rua! / Passem de longe bondes, ônibus, rio de áço do tráfego.")
- Nunca atropelei ninguém, nem nunca fui pisado. Não havia pedra alguma em meu caminho. Todas as coisas na vida me vêm sem eu pedir. Tenho muitos amigos e gosto de falar deles.
Olho Drummond (e ... curioso!) Augusto Frederico Schmidt, de corpo todo matéria ... é espiritualista. Carlos Drummond de Andrade que é só alma e sombra ... é materialista.
Sou materialista com algumas nebulosas. Vivo perguntando-me coisas. ("Tudo é possível, só eu impossível. Sinto que nós somos noite, que palpita­mos no escuro e em noite nos dissolvemos. Começo a ver no escuro um novo tom de escuro. Sou apenas um homem. O essencial é viver!")
Materialista que vive perguntando a José Olímpio: "Será que existe o lado de lá?"
- Eu não fui o menino quieto que muitos supõem. Pelo menos em Belo Horizonte e depois. Quando ali cheguei, havia um grupo de transviados da e dedicavam às coisas mais estranhas: a gente vivia arrancando placa de médicos e fazendo entrerro de delegado. Uma noite fiquei danado porque a turmanão me convidou. Reclamei, desapontado: "Vocês todos saíram no jornal e meu nome nem apareceu!" Era uma desmoralização.
Prossegue, enquanto, para surpresa minha, me serve conhaque. Nunca imaginei Drummond, que não fuma, tomando conhaque.
Naquele tempo, no Restaurante Colosso, de Belo Horizonte, a refeição custava dois mil-réis. Papai era seco por fora, mas doce por dentro. Pra ter dinheiro pros meus gastos particulares comecei a achar que a comida de casa não prestava e pedi dinheiro pra comer no Colosso. Papai me dava dinheiro pro almoço e pro jantar, mas eu só jantava. Um dia ele explodiu. Eu me fizera tão magro que parecia personagem de Josué de Castro.
Eu era um adolescente anarcóide. Hoje ninguém diz, me vendo já com esta idade e com este jeito. (Do lado esquerdo carrego meus mortos / Por isso caminho um pouco de banda.) Vou envelhecendo. Os meus vivem sessenta e poucos. Estou velho (Há muito suspeitei o velho em mim / Ainda criança já me atormentava; Vai-se-me a vista assim baixando / ou a terra perde o lume?).
Mílton Campos (que não é escritor mas produziu um belíssimo soneto sobre Camões), Abgar Renault, Gustavo Capanema, Alberto Campos, João Alphonsus, Rodrigo MeIo Filho, depois Ciro dos Anjos, me ajudaram muito. Nos reuníamos no Café Estrela, pro choque e pra média. Cada um fazia a crítica honesta do outro. Abgar escrevia versos que ele mesmo recitava nos salões e que faziam as moças se apaixonarem incessantemente.
Um dia cometi um soneto. Cada um deles leu e me olhou com uma cara muito desconsolada. Nunca mais fiz soneto. Marchei para o modernismo.
Muito modernista deve ter nascido assim. Eu, por exemplo, tinha um terrível sentimento de infelicidade porque não sabia fazer versos como todo mundo.
- Ao Mílton Campos devo o conhecimento de Anatole France. Pra nós, na intimidade, era o Anatole, pra cá e pra lá. Nosso quartel-general era a Livraria Alves, de Belo Horizonte, com seus caixotes de livros de novidades francesas. O Capanema comprava logo os melhores. Depois descobri que dava aulas particulares a vinte mil-réis. Mário Casassanta, Pedro Nava, Emílio Moura eram outros amigos, todos tolerantes com minhas besteiras.
Uma pausa:
- Eu sou do tempo em que professor era mestre. Cantava mal. Não ousava abrir a boca nem para o Hino Nacional. Minhas preferências musicais são modestas: me encanta a música de realejo. (Uma coisa triste no fundo da sala / Me disseram que era Chopin.) Mas como eu ia dizendo ... (ou não disse ainda ?) ... Havia poucos colégios em Minas. Papai achou que o Anchieta, de Friburgo, seria bom para mim. No primeiro dia, logo de saída, pra não perder tempo e chamar atenção sobre mim, me declarei, nada mais nada menos, anarquista. Eu nem sabia direito o que isso era. Naqueles dias se jogava muita bomba na Catalunha. Eu achava lindo esse negócio de jogar bomba. Enfrentei a caçoada dos colegas. Me deram logo o apelido de Anarquista. Eu era tratado por esta alcunha ou então por 74. Esse negócio de ser número me horrorizava. Na correspondência pra casa sempre censurada, falava do ambiente. Tive um incidente com um professor de português, Guedes, que me mandou sair da sala. Naquele tempo o importante não era a instrução. Era o comportamento. Diante de toda a classe, o aluno era desmoralizado. O 74 teve quatro em comportamento ... por comiseração. Eu reagi. Queria a nota justa ... sem comiseração alguma.
Fui expulso, perceberam em mim o germe do anarquista. Você não calcula, seu Bloch, o que sofri de pesadelos por causa dessa expulsão
Homem de rara agudeza e de imensa cultura, Drummond despista: - Eu, desde menino, gostava muito de ler. Em 1913, papai mandou buscar e chegou a Itabira, em lombo de burro, a famosa Biblioteca Internacional de Obras Célebres. Com sua leitura me considerei o cidadão mais culto da cidade. Meu irmão José, dono da metade da biblioteca, então a perdeu para mim, porque o venci numa discussão. Até hoje a conservo. Meu acervo de cultura era essa biblioteca. Dava pro rapazote brilhar. Sabia um pouco de tudo. Aquilo me abriu a janela para o mundo. Um irmão meu ainda me mandava revistas e jornais do Rio, além das formigas e abelhas de Maeterlinck.
Drummond nunca viajou. (Preciso fazer um poema sobre a Bahia / Mas eu nunca fui lá.) Para ele o mundo acaba em Buenos Aires. Três netos e três viagens. Pronto.
- Só mesmo minha filha e meus netos me levariam a viajar. Nunca fui à Europa.
Conta-me histórias de seus netos:
- Carlos Manuel, muito preocupado com a vida, que ele imagina se estender até os cem anos, diz, um dia, filosoficamente. "A vida é curta mesmo! Tenho sete anos ... dentro de noventa e três anos me metem no caixão e fim!" Num domingo foram ver aviões rompendo a barreira do som. No domingo seguinte os netos souberam que a prova ia ser repetida e um deles se espantou: "Vão romper de novo? Já a consertaram?"
Drummond recorda Buenos Aires:
- Tive a ventura de viver, ali, um momento de glória. Entrei na Calle Florida, pra fazer a barba. O barbeiro me olha e diz: "O senhor é um poeta brasileiro, não é?" Fiquei feliz. Que celebridade! Conhecido até pelos barbeiros de Buenos Aires! O meu ego começou a inflar de orgulho, quando o homenzinho pica o balão com alfinete: "Eu reconheci logo o senhor. Vi um retrato seu pintado por aquele Portinari, em casa de seu genro, na Calle Arroyo. Eu faço a barba dele, também."
Pouco depois (ironia do destino), entre intelectuais que homenageavam, numa livraria, o poeta espanhol Rafael Alberti, antifranquista exilado em Buenos Aires, ninguém me reconheceu.
Viagem se associa a poema do avião. Pergunto: - Drummond, você tem medo de avião?
Ele me olha, com aquela chaminha mansa escondida por detrás dos aros de tartaruga, e explica:
Não, Bloch. Tenho medo de todos os meios de transporte, inclusive o avião. Há muita coisa que eu admiro muito. E gosto de admirar. Você sabe? Em geral a literatura não conduz à boa conduta moral. Escritor se junta pra falar mal dos outros. Entretanto, nem padeiro fala mal de padeiro.
Drummond me fala de suas admirações e alergias:
- Leio e releio Machado de Assis desde adolescente. Mas com medo. Ele me impregna tanto que tenho medo de plagiá-lo involuntariamente. Realiza a literatura que eu gostaria de ter feito. É discreto e profundo. Minha admiração por Machado é tremenda. Já o Euclides da Cunha tem o tipo de estilo que me desagrada, cheio de riquezas verbais que, para meu gosto, não funciona. Admiro-o, mas não me aproximo dele. Admiro com raiva. E antípoda do meu gosto. Gonçalves Dias me satisfaz mais, muito mais, que Castro Alves. Gonçalves Dias é mais próximo de mim. A gente julga o valor das coisas pelo gosto que tem. As condições sociais de Castro Alves desapareceram. Quando ele é lírico me agrada muito, mas não é meu poeta de cabeceira.
Recordo, neste instante, o que Drummond havia escrito em carta: "A melhor maneira de admirar Castro Alves é não imitá-Io. Castro Alves é fascinante como mau exemplo. Ele resiste até os amigos. Há poetas que se impõem à nossa admiração, especialmente quando não queremos admirá-los."
- Prossegue:
Guimarães Rosa, para mim, continua admirável. Por mais que ele tenha em boa conta a originalidade de seus processos literários, vai muito além do seu próprio julgamento. Acho que "ele é um louco que pensa que é Guimarães Rosa".
Quando vim para o Rio, trouxe uma admiração infinita por Alvaro Moreira. Achava bonito como ele escrevia e me encantavam, principalmente, suas reticências. Aquelas reticências ... pareciam penumbra ... coisa esmaecendo ... surdina ... Quando aqui cheguei, em 23, a primeira coisa que fiz foi procurar o Alvinho em "O Malho". Me deu um livro, com uma dedicatória em tinta roxa. Eu achei aquela tinta roxa o máximo! Depois começaram a sair coisas minhas no "Para Todos". Quando eu era publicado, ficava andando, com a revista debaixo do braço, com a esperança de que os transeuntes, através de um raio X especial pudessem ver. Tinha a impressão de que era um grande escritor.
Quando se toca em Manuel Bandeira, Drummond é todo enlevo:
-Bandeira é mais velho do que eu. Aprendi a fazer versos através dos versos dele. E um homem excepcional. Os poetas, em geral, ou morrem aos vinte e poucos anos ou atingem os cinqüenta e deixam de escrever. Um homem de setenta e sete anos, escrevendo com a graça do Bandeira, é algo de assombroso. Ele é uma espécie de arco-íris na poesia brasileira. Abrange todas as experiências ... até mesmo o concretismo! Mário de Andrade fez bons poemas, mas era revolucionário. O Bandeira é esclarecedor. (Lembra-me o João Condé que o Drummond, que também é caricaturista, já desenhou capa de livro de Bandeira.)
Diz-me Manuel Bandeira:
- O Drummond é o maior poeta que o Brasil já deu e reconheço sua superioridade sobre mim. De nós dois, o poeta moderno, o que captou a complexidade do momento presente e a transmite como ninguém é o Carlos.
- Bandeira, por que é que o Drummond não entra para a Academia?
- Por várias razões. Em primeiro lugar, não está no feitio dele visitar acadêmicos. Depois ... ele nunca fez um discurso de verdade em toda sua vida. Além disso ... temos a tragédia do fardão! Ele tem é susto de fardão. Você já imaginou o Carlos vestindo aquilo? Eu mesmo passei por este problema. Não sei se você sabe que eu não tenho fardão: não queria comprar porque só o usaria no dia da posse e não queria que os meus amigos me oferecessem. O Otávio TarquÍnio me arranjou emprestado com a viúva de João Luís Alves. Nunca mais o vesti. Aliás, o Macedo Soares me ofereceu um belíssimo colar. Nunca usei.
E concluiu sorrindo:
- Se eu tenho medo do fardão ... calcule o Drummond!
A palavra genial pode ser usada em seu sentido mais amplo, com todo seu peso específico, quando se trata de Drummond. Banalizaram-se tanto os adjetivos que genial passou a ser qualquer pingente da glória. E o próprio quem aconselha.
Se hesitar entre dois adjetivos, jogue ambos fora e use o substantivo.
Outro conselho revelador !
- Não responda a ataques de quem não tem categoria literária; seria pregar rabo em nambu. E se o atacante tiver categoria ... não ataca, pois tem mais o que fazer. (Recordo o poema-orelha: "Esta é a orelha do livro por onde o poeta escuta/se dele falam mal/ou se o amam./lNão me leias se buscas/flamantes novidades/ou sopro de Camões ... "..."a poesia mais rica é um sinal de menos".)
Drummond diz, com seu falar precipitado, taquifêmico:
Pedro, se se parar de fabricar automóvel e produzir alimentos... o mundo acaba. Mas se parar de produzir sonata ou poema... o estoque dá para alimentar a humanidade para o resto da vida. Atrás dela já estão Goethe e Beethoven, compreende? O homem já se realizou na arte. O homem já disse tudo o que podia dizer. Onde outros colocam Deus eu coloco a obra de arte. Quem não acredita em Deus ainda pode acreditar em Mozart.
Aquele homem diz que não crê em Deus; entretanto, insiste com José Olímpio: "Será que existe o outro lado? Será que existe o lado de lá?" Suas conversas com o editor são infinitas. "Sua poesia se vende, Drummond" - lhe diz este. E Drummond: "Eu não quero a minha poesia mercenária."
Drummond renunciou a muita coisa na vida, por modéstia, humildade, timidez. Muita coisa pra ele foi como o seu verso: "boneca partida antes de brincada". O resultado das vivências e das frustrações nos dão esse homem singular, de uma grandeza humilde, que escapa ao nosso alcance. Envergonha-se como um colegial, quando colegiais, sem a menor vergonha, dele se aproximam e expressam sua infinita admiração. Aí Drummond não sabe como desaparecer. O mestre das palavras não encontra palavras. Reage de maneira peculiar. Ele e José Olímpio são dois críticos de cinema frustrados. Um dia, Drummond, tendo visto Morangos Silvestres, ficou tão empolgado, mas tão empolgado... que foi até o. Leblon e voltou... a pé. Outro teria feito comício ("Já me quiseram fazer deputado, mas eu não saberia falar aos eleitores... e não teria mais de três votos"), gritado, se embriagado. Drummond, não. Andou.
- Gosto tanto de cinema - me explica ele - que quase não vou. Fico indignado quando assisto a um mau filme.
Há poucos dias estavam Drummond e José Olímpio num bate-papo, quando o editor lhe diz:
- Drummond, eu acho que estou ficando burro:
O poeta se alarma.
- Sim, Drummond. Eu estou ficando burro.
Burro por quê? - quer saber o outro.
José Olímpio baixa os olhos e confessa sua imensa vergonha, meio gaguejante: - Sabe, Drummond? ... Eu fui ver ... sabe? ... Ano Passado em Marienbad ... e não gostei.
Drummond o analisa com piedoso olhar e consola:
Não, José Olímpio. Você não é tão burro assim. E confessa, sem o menor pudor:
- Eu também não gostei.

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Entrevista ao poeta Bruno Tolentino


Entrevista conduzida por Vando Valentini, publicada na Revista Passos nº 40, junho de 2003.


- O senhor nasceu no Rio de Janeiro de uma família religiosa, mas na sua juventude deixou de ser católico. Como se deu a sua relação com Deus e o fato de ser poeta?

Já aos 23 anos eu era um bom poeta, mas isso sem nenhum mérito meu. Era mais uma decorrência da maneira como eu tinha sido educado, dos lugares que freqüentava. Mas também haveríamos de reconhecer que nesse processo todo entra sem dúvida a graça do Espírito Santo. Aos vinte anos ganhei, aqui no Brasil, o prêmio Revelação com o livro Anulação e Outros Reparos (São Paulo, Massao Ohno Editor, 1963), dois outros livros escrevi na França: Le Vrai Le Vain (O Verdadeiro O Vão, Paris, Aethels, 1971) e Au Colloque des Monstres (No Colóquio dos Monstros, Paris, 1973). E na Inglaterra About the Hunt (A Propósito da Caçada. Inglaterra, Oxford University Press, Inglaterra, 1978). Esta obra poética já poderia ser suficiente para deixar uma marca importante, apesar disso foi com a minha conversão que a minha poesia amadureceu e ficou infinitamente mais importante. A minha trajetória entre os 17 aos 39 anos foi de um certo modo, mas aos 40 anos eu comecei meu caminho de volta para Igreja. O Espírito Santo sempre colaborou comigo, mas foi nesse momento que eu comecei a colaborar com Ele. Foi pela mão de Maria, com quem sempre mantive uma relação estreita – mesmo durante a fase na qual não acreditava no Filho dela –, que vivia o relacionamento com o Mistério. Mesmo não acreditando em Deus, não largava o manto de Maria. Lembro-me que aos cinco anos de idade minha mãe me levava com ela nas orações das Filhas de Maria e uma vez uma senhora me disse: “Veja que aquela nossa senhora ali, foi aquela que sorriu para Santa Teresinha”. Nunca mais esse fato saiu da minha cabeça. Minha relação com o Mistério durante os anos da minha juventude passou através das conversas com uma estátua de pedra da Virgem Maria. Foi o que aconteceu comigo, mas essas coisas podem passar a ter várias manifestações. O que interessa não é o como, senão o fato de que as coisas de Deus quando tocam, ninguém de nós consegue mudar.

Na conversão o que acontece é que o que existia antes se torna mais verdadeiro. Poderia nos descrever esse processo, se ocorreu na sua experiência?

A conversão foi o processo que me levou para a cadeia. A partir de minha conversão vi que não podia mais viver uma vida dupla, a vida do médico e do monstro (refere-se ao famoso livro de R. L. Stevenson, O médico e o monstro, que conta a história de Dr. Jekyll e Mr. Hyde; nde); antes disso fazia um pouco de tudo, tráfico de influência, de droga, fui para o Líbano, me meti na guerra e outras maluquices desse tipo. Um dia uma moça libanesa me disse: “Você precisa botar honra no seu código”, isto é, me faltava integridade. Fui entender isso somente quando um aluno meu em Essex foi se tornar monge beneditino e encontrei com ele. Era mestre dos noviços e foi ele que me falou pela primeira vez de integridade. A minha educação foi tipicamente francesa: uma educação da esperteza, da originalidade, uma educação anti-tradicional, educação revolucionária para a qual não há virtudes morais, todas as coisas são instrumentais, meios para fins. Eu passei sete anos para me desvencilhar deste pensamento moderno. Só então percebi que os meus grandes mestres na poesia, Manuel Bandeira aqui no Brasil, Ungaretti na Itália, Saint-John Perse na França e W. H. Auden na Inglaterra eram todos católicos. Havia outros aos quais poderia me ligar, como Montale ou Bonnefoy, mas estes mesmo sendo amigos, não foram tão importantes. Sete anos foram necessários para diagnosticar o meu problema que não era religioso, não era uma questão de fé, no sentido de crença, como diz Katharina no meu livro: “as crenças não te melhoram”. O meu era um problema de comportamento moral. Como diz Giussani: “o que te melhora é olhar para uma presença”. Explico-me: diante de Cristo, você não pode mais trapacear, diante de uma presença não pode ficar ambíguo. Quando a presença é real você fica constrangido.  A noção de indivíduo ficou mais clara para mim. Ser indivíduo é ser indivíduo diante de alguém, diante de Cristo. Para Voltaire é outra coisa, ser indivíduo é contestar uma série de coisas, é ser revolucionário, é estar diante do Estado. É se servir da realidade e não servir a realidade. É estar diante de idéias, coisas enormes e impessoais, ninguém está te olhando.Nesses sete anos eu tive que me départir, separar-me desta segunda natureza que foi a minha educação laica. Tive que ir para cadeia, porque lá eu não podia mais trapacear, a polícia estava sempre me olhando e eu não tinha mais nem os meios físicos para trapacear, não podia mais mentir, não podia mais manter uma vida dupla. O cristianismo não é uma teoria, não é nem a voz de Deus, é pura e simplesmente uma presença de alguém real, sobrenatural, que está sempre com você e diante do qual você deve fazer tudo o que a vida te impulsiona a fazer.

Que aspectos de sua poesia encontraram a verdade e amadureceram neste encontro com a Presença?

Com a minha conversão, não me tornei um poeta melhor. A busca pelo real já estava presente na minha juventude, dizia: o real é esta constante correção do comportamento humano, o real está aí para que a pessoa busque sempre um modo de convívio com ele, um respeito fundamental. Quarenta anos depois, em 2002, conheci o pensamento de padre Giussani quando ele diz: “a inexorável positividade do real”, e descobri este ponto de contato com ele. Contato que não encontrei nem com Von Balthasar nem com Eric Voegelin, nem com os grandes pensadores que me influenciaram. Há muito mais contatos com Padre Giussani, porque ele é um verdadeiro educador, é um formador da consciência alheia, não está interessado em vender o seu peixe, mas em treinar pescadores. Outro aspecto muito importante de meu encontro com Padre Giussani é o papel do laico. Desde a débâcle revolucionária o papel do laico (do professor, do escritor, do jornalista, do intelectual) é cada vez mais importante para testemunhar Cristo neste mundo tão laicizado. Na Rússia foi banida a Bíblia e cerceada a Igreja, mas tudo passou através de Tolstoi e Dostoievski. Mas voltando à sua pergunta inicial sobre a conversão. É como a parábola do sal. Cristo é o sal. O sal realça o gosto da comida, não muda o gosto da comida, torna o peixe mais peixe, a carne mais carne. Assim como o encontro com Cristo não muda o que você é, mas agora você se torna você na dosagem perfeita: aquilo para que você era destinado ser. Eu estou neste processo em que sou cada vez mais eu mesmo. Eu parei de ser uma caricatura de mim mesmo. Como dizia Píndaro: “Torna-te o que tu és”. Você se torna o que você é. Há um nível supra-real da pessoa. É isso o que só Deus sabe. Nesta perspectiva o ato poético é um ante-gosto, um antepasto desta plenitude.

A posição contrária à atenção ao real é a posição ideológica. Hoje parece ser a época do fim das ideologias, da crise desta forma de pensamento. O senhor concorda com isso? Parece que acabaram as ideologias, mas na vida do cotidiano se vê quanto ainda somos dominados por um pensamento ideológico que não nos permite olhar para a realidade.

Não acredito que a “dama idéia” passe de moda, nem desista. Que fique bem claro que isto de que estou falando não é uma “coisa”. É algo constitutivo do ser humano. O que entrou em crise foi o modo como a ideologia se apresenta, mas a “dama idéia” não larga o osso. Porque o contrário dela é a liberdade, e a outra coisa que a época moderna não aceita é a liberdade. Desde quando o cristianismo está na defensiva a liberdade está em cheque, porque a liberdade é esta relação do homem diante de Deus, esta relação contínua e criativa com a realidade. Qualquer que seja o apelido que a “dama idéia” tenha, poderá ser vermelha, preta ou azul… onde não estiver o cristianismo tudo pode ser reduzido a ela. O cristianismo é este chamado à relação responsável homem a homem, do homem-Deus rumo ao homem, do Filho de Maria, que um dia nasceu e morava numa rua tal e que portanto não posso reduzir a uma idéia. Onde não houver esta relação fundamental com o fato humano fundamental, o Filho que saiu do ventre de Maria, a “dama idéia” volta a dar o show dela. Veja esta Universidade Católica, para transformá-la naquilo que fizeram, precisou primeiro esvaziar o cristianismo de seu conteúdo, reduzindo-o a uma ótima idéia (vamos lutar para os pobres, vamos resolver as coisas etc…) assim a universidade se torna uma instituição. Para isso é preciso que desapareça tudo o que cheire a humanidade pura, eliminar Maria e os Santos, desta forma Deus, o Deus Trinitário, fica lá no céu. Para que a “dama idéia” possa dar as cartas é necessário esvaziar o cristianismo de conteúdo e deixá-lo no reino do conhecimento. O cristianismo seria a milésima idéia que a Humanidade não pôs em prática. Não se trata mais dessa “inexorável positividade do real” que se me impõe e que impõe o outro. Assim é possível substituir a presença inevitável e opaca do outro com um receituário.

O senhor compartilhou o último ano de vida e acompanhou a doença do padre Virgilio Resi. Sendo assim, como o senhor vê a experiência do sofrimento e da dor?

A segunda parte do meu último livro O Mundo como Idéia ( Globo, 2002), com o título Lição de Trevas fala exatamente desse assunto, o sofrimento e sua função de transfiguração. No caso específico da tragédia que vivemos com o Padre Virgilio é como se uma vez mais Cristo tivesse consagrado a sua Igreja. O Movimento dependia imensamente dele. Padre Virgilio era um homem de intelecto brilhante e de intensa humanidade. Ele vivia no Santuário de Maria da Piedade e ali sofreu aos 50 anos o seu martírio. Ou você percebe isso de certa forma, como uma unção excepcional de Deus, que deu o seu próprio Filho, ou você joga tudo fora. O Sangue dos mártires é aquilo que sempre manteve a Igreja viva. O Dom do Sangue (Blutvergiftung), é o nome de um poema do livro As Horas de Katharina (Companhia das Letras, 1994). Isso está na base do cristianismo, começa com o Cristo e continua com o sangue dos mártires. Depois disso parece que o martírio acabou, mas só não se mata mais institucionalmente, ou melhor não aparece. Mas continua, vejam este meu poema que conta a experiência de uma monja carmelita: Blutvergiftung. Peguei essa expressão de Lutero que disse duas coisas muito verdadeiras sobre isso: a cruz não pode ser escolhida, é sempre imposta, não é um enfeite, não existe uma cruz compatível com a auto-estima, compatível com aquilo que você é. Porque a gente corre o perigo de não notar a presença de Deus, você acha que Cristo não está presente. A pessoa se parece mais com Deus quando a criatura perdoa; e não é por moralismo, nem por uma boa idéia, mas porque é a coisa mais fácil para Deus fazer. Daí se vê que é verdade que Cristo se faz presente quando Ele sofre, quando Ele doa seu sangue. Aí é na morte que o cristão se confunde com Cristo porque é neste momento que ele oferece seu sangue. O fim de Virgilio foi muito doloroso. Ele me dizia: “Ainda ontem tivemos aquela conversa sobre a ‘inexorável positividade do real’. E agora? Ou isto é positivo ou tudo foi uma grande bobagem”. Nessa hora ninguém achava que ele iria morrer. Virgilio viveu um ano de sofrimento. Se a Igreja é o Corpo Místico de Cristo, este corpo não pode existir sem sangue, e este sangue é o meu, é o seu, é o suor do sangue que a gente sua o dia inteiro.  Agora Virgilio está na Glória, com tudo aquilo que ele sofreu aqui… É claro que saudade a gente sente, mas…, e o nosso chamado não é para se tornar como o Virgilio, pois cada um é o que é. Cada um deve percorrer o mesmo caminho, se identificar com ele, e oferecer o próprio sacrifício. Para mim o martírio é outro: é agüentar esse povo que não entende do que estou falando com a minha poesia.

domingo, 10 de dezembro de 2017

Entrevista de T. S. Eliot à Paris Review - 1959




Entrevistada conduzida por Donald Hall para a Paris Review nº 21, verão de 1959 e republicada no livro: Os escritores: as históricas entrevistas da Paris Review. São Paulo: Cia. das Letras, 1988, de onde foi extraída.

Quem sabe possamos começar pelo começo. Lembra-se das circunstâncias em que começou a escrever poesia em St. Louis, quando era menino?

Comecei, aos catorze anos, sob a inspiração do Omar Khayyam de Fitzgerald, a escrever uma série de quartetos muito sombrios, ateístas e desesperados no mesmo estilo, que felizmente suprimi por completo - tanto assim que não existem. Nunca os mostrei a ninguém. O primeiro poema a aparecer foi publicado primeiro na Smith Academy Record, e mais tarde em The Harvard Advocate, um exercício escrito para meu professor de inglês, uma imitação de Ben Johnson. Ele o achou muito bom para um menino de quinze ou dezesseis anos. Depois escrevi alguns em Harvard, apenas o suficiente para me qualificar à candidatura de um posto de editor em The Harvard Advocate, dos quais gostei. Aí houve uma explosão, durante os anos de faculdade. Tornei-me muito mais prolífico, sob a influência primeiro de Baudelaire e depois de Jules Laforgue, que descobri, acho, no primeiro ou segundo ano de Harvard.

Foi alguém em especial que o apresentou aos poetas franceses? Não foi Irving Babbit, suponho.

Não, Babbit teria sido a última pessoa! O único poema que Babbit sempre teve em alta conta foi a Elegy de Gray. É um ótimo poema, mas acho que isso mostra certas limitações da parte de Babbit, que Deus o abençoe. Já fiz propaganda de minha fonte, creio; é o livro de Afthur Symon sobre poesia francesa (1) que encontrei no grêmio de Harvard. Naquele tempo o grêmio da Harvard era um lugar de encontro para qualquer estudante que dele quisesse participar. tinham uma bibliotecazinha muito boa, como as bibliotecas que agora existem em muitos departamentos de Harvard. Gostei das citações que fez e fui a uma livraria de Boston (esqueci o nome, nem sei se ainda existe), especializada em livros franceses, alemães e outras literaturas estrangeiras, e encontrei Laforgue e outros poetas. Não consigo imaginar por que aquela livraria teria em estoque poetas como Laforgue. Sabe-se lá há quanto tempo o teriam, ou se havia alguém mais interessado neles.

Quando era estudante, tinha consciência da presença dominante de certos poetas mais velhos? Hoje em dia o poeta jovem está escrevendo na era de Eliot, Pound e Stevens. Ainda se lembra de como via o seu próprio tempo literário? Quem sabe se sua situação não foi muito diferente.

Acho que foi antes de tudo uma vantagem não ter nenhum poeta vivo na Inglaterra ou nos Estados Unidos por quem se pudesse nutrir qualquer  interesse especial. Não sei como teria sido, mas acho que teria sido uma perturbação deveras inquietante ter esse bando de presenças dominadoras por perto, como diz. Felizmente, não éramos amolados uns pelos outros.

Estava consciente da existência de gente como Hardy ou Robinson?

Estava ligeiramente consciente de Robinson porque tinha lido um artigo sobre ele em The Atlantic Monthly que citava alguns de seus poemas, mas não era coisa que me agradasse. Quanto a Hardy, poucos sabiam, na época, que era poeta. Liam-se os seus romances, mas a poesia só se tornou realmente notada uma geração mais tarde. Havia também Yeats, mas era o Yeats da juventude. Era lusco-fusco celta demais para mim. Na verdade não havia nada a não ser o pessoal dos anos 90, todos mortos por bebida ou suicídio ou isso ou aquilo.

Ajudou Conrad Aiken com os poemas dele, ou ele o ajudou com os seus, quando eram editores em The Advocate?

Éramos amigos, mas não creio que nos tenhamos influenciados um ao outro. No que dizia respeito à literatura estrangeira, ele estava mais interessado nos italianos e espanhóis, e eu era tudo pelos franceses.

Havia algum outro amigo, ou amigos, que lia seus poemas e o ajudava?

Bem, havia. Havia um homem que era amigo de meu irmão, um homem chamdo Thomas H. Thomas, que morava em Cambridge e que viu alguns dos meus poemas em The Harvard Advocate. Escreveu-me a mais entusiasta das cartas e em animou. Gostaria de ainda ter essa carta. Fiquei muito grato a ele por ter me dado este incentivo.
Acredito que tenha sido Conrad Aiken quem o apresentou,  ele e seu trabalho,  a Pound.
Foi ele, sim. Aiken era um amigo muito generoso. Tentou lançar alguns de meus poemas em Londres, durante um verão em que esteve lá, com Harold Monro e outros. Ninguém quis saber de publicá-los. Trouxe-os de volta para mim. Então, em 1914, acho que estávamos os dois em Londres, no verão. Ele disse: "Vá ver Pound. Mostre-lhe seus poemas". Ele achava que Pound podia gostar deles. Aiken gostava, embora fossem muito diferentes dos seus.
Lembra das circunstâncias de seu primeiro encontro com Pound?

Acho que fui lhe fazer uma visita primeiro. Acho que causei boa impressão, naquela sua salinha triangular em Kensington. Ele disse: "Mande-me suas poesias". E escreveu depois: "São tão boas quanto as que conheço. Venha até aqui para conversarmos". Aí entregou-as para Harriet Monroe, que levou algum tempinho.

Num artigo sobre sua época em The Advocate, incluído no livro em homenagem a seu sexagésimo aniversário, Aiken cita uma carta antiga, escrita da Inglaterra, em que o senhor se referia ao verso de Pound como sendo "comoventemente incompetente". Quando mudou de opinião?

Ah! Aquilo foi um tanto impetuoso, não é mesmo? A primeira vez que vi os versos de Pound foi através de um dos seus editores de The Harvard Advocate, W.G. Tinckom-Fernandez, que era amigo íntimo meu, de Conrad Aiken e dos outros poetas do Signet (2) na época. Ele me mostrou aquelas coisinhas de Elkin Mathews, Exultations e Pesonae. (3) E disse: " Isto aqui é da sua linha: vai gostar". Bem, na verdade não gostei. Pareceu-me coisa romântica, um tanto fora de moda, tipo capa-e-espada. Não fiquei muito impressionado. Quando fui ver Pound, não era exatamente um admirador de sua obra e, embora agora considere excelente o trabalho que vi então, estou certo de que é na sua obra posterior que estão as grandes coisas.

O senhor mencionou por escrito que Pound reduziu The Waste Land (A Terra Desolada), um poema muito maior originalmente, à sua forma atual. Beneficiou-se, de modo geral, com as críticas que ele fez a seu trabalho? Ele editou outros poemas seus?

Editou. Naquela época, sim. Era um crítico maravilhoso porque não tentava transformar nunguém numa imitação de si mesmo. Tentava ver o que você estava tentando fazer.

O senhor ajudou algum de seus amigos a reescrever um poema? Ezra Pound por exemplo?

Não consigo me lembrar de nada. Claro que fiz inúmeras sugestões em manuscritos de jovens poetas nos últimos vinte e cinco anos, mais ou menos.

O manuscrito original, sem cortes, de The Waste Land ainda existe?

Não pergunte a mim. Isso é algo que não sei. É um mistério não resolvido. Vendi-o a John Quinn. Também lhe dei um caderno de poemas não publicado, porque ele tinha sido muito gentil comigo em várias ocasiões. Foi a última vez que os vi. Ele morreu, e os poemas não foram postos à venda.

Que tipo de coisas Pound cortou de The Waste Land? Cortou partes inteiras?

Partes inteiras, sim. Havia uma longa passagem sobre o afundamento de um navio. Não sei o que aquilo tinha a ver com o restante, mas tinha sido inspirado pelo canto de Ulisses no Inferno, acho. Depois havia uma outra parte que era uma imitação de Rape of the lock. Pound disse: "Não adianta tentar fazer uma coisa que alguém mais já fez, por melhor que o consiga. Faça algo diferente".

Os cortes mudaram a estrutura intelectual do poema?

Não. Acho que já era sem estrutura, só que de forma mais fútil, na versão original.

Tenho uma pergunta relacionada à composição do poema. Em Thoughts after Lambeth, o senhor negou as alegações dos críticos que disseram que expressava "a desilusão de uma geração" em The Waste Land, ou negou que fosse essa sua intenção. F. R. Leavis, creio eu, disse que o poema não mostra nenhuma progressão; por outro lado, os críticos mais novos, que escreveram depois que foram publicados outras obras suas, acharam The Waste Land cristão. Pergunto-me se isso teria feito parte de suas intenções.

Não, não fez parte de minhas intenções conscientes. Acho que em Thoughts after Lambeth falei de intenções mais num sentido negativo do que positivo, para dizer que aquela não fora minha intenção. O que será que significa uma "intenção"! O que se quer é desabafar alguma coisa. Não se sabe exatamente o que é que se quer desabafar até que desabafe. Mas não poderia aplicar a palavra "intenção" positivamente a nenhum de meus poemas. Ou a qualquer poema.

Há mais alguma coisa que eu queria saber sobre seu relacionamento com Pound e sobre seu começo de carreira. Li em algum lugar que vocês dois decidiram escrever quartetos, ainda bem jovens, porque o vers libre tinha ido longe demais.

Acho que isso é algo que Pound disse. E a sugestão de escrever quartetos foi dele. Ele é que me recomendou Emaux et Camées (4).

O que achava da relação entre forma e conteúdo? Na época, escolhia a forma antes de saber exatamente o que ia escrever?

De certo modo, sim. Estudávamos os originais. Estudávamos os poemas de Gautier e então pensávamos: "Será que tenho alguma coisa a dizer em que esta forma me seja útil?". E experimentávamos. A forma dava ímpeto ao conteúdo.

Por que escolheu usar a forma do vers libre em seus primeiros poemas?

Meus primeiros vers libres, claro, foram compostos sob o esforço de praticar a mesma forma que Laforgue. Isso significava meramente rimar versos de comprimento irregular e fazer as rimas aparecerem em lugares irregulares. Não era assim tão libre quanto a maior parte dos vers, principalmente aquele tipo que Ezra chamava de "Amygism" (5) Depois, claro, houve coisas na fase seguinte, que foram mais livres, como "Rhapsody on a windy night". Não sei se tinha algum modelo ou prática em mente quando escrevi isso. Simplesmente saiu assim.

Sentia, quem sabe, que estava escrevendo contra alguma coisa, mais do que a partir de um modelo? Contra o poeta laureado, talvez?

Não, não, não. Não acho que estivéssemos tentando constantemente rejeitar as coisas, mas apenas tentando descobrir o que era certo para cada um. Ignorávamos, na verdade, poetas laureados como tal, os Robert Bridges. Não acredito que se possa produzir boa poesia numa espécie de atentado político para derrubar alguma coisa existente. Acho que ela apenas assume seu lugar. "Não posso dizê-lo desta forma, que formas existem que me sirvam?" Ninguém se importava com os modos existentes.

Acho que foi depois de "Prufrock" e antes de "Gerontion" que escreveu os poemas em francês que aparecem em seus Collected poems. Por que foi que os escreveu? Escreveu mais algum, depois?

Não, e nunca mais escreverei. Aquilo foi uma coisa muito curiosa, que eu não saberia explicar exatamente. Na época, achei que tivesse secado por completo. Não escrevia nada há tempos, estava meio desesperado. Comecei a escrever alguma coisa em francês e descobri que podia, naquele momento. Acho que foi porque, quando estava escrevendo em francês, não levei os poemas a sério e porque, não levando a sério, não estava preocupado em não ser capaz de escrever. Fiz aquilo como uma espécie de tour de force para ver do que eu era capaz. Durou alguns meses. Os melhores foram publicados. Devo dizer que Ezra Pound leu todos, e Edmond Dulac, um francês que conhecíamos em Londres, ajudou um pouco. Deixamos alguns de lado, e suponho que tenham desaparecido completamente. Aí então, de uma hora para outra, comecei a escrever em inglês de novo e perdi toda a vontade de prosseguir em francês: creio que foi apenas algo que me ajudou a me por em marcha outra vez.

Chegou a pensar em se tornar um poeta simbolista francês. como os dois americanos do século passado?

Stuart Merrill e Viélé-Grifin. Só fiz aquilo durante o romântico ano em que passei em Paris, depois de Harvard. Na época, estava com a idéia de desistir do inglês, estabelecer-me e viver ao léu em Paris e, aos poucos, escrever em francês. Mas teria sido uma idéia tola mesmo que eu fosse muito mais bilingue do que era, porque entre outras coisas, não acho que se possa ser um poeta bilingue. Não sei de nenhum caso em que alguém tenha escrito grande poesia, ou mesmo apenas boa poesia, igualmente bem em duas línguas. Acho que uma língua tem que ser aquela na qual você se expressa em poesia, e é preciso desistir de uma para esse fim. Além disso, acho que a língua inglesa tem, de fato, mais recursos, sob alguns aspectos, que o francês. Em outras palavras, acho que me saí provavelmente melhor em inglês do que jamais teria me saído em francês, mesmo que me tivesse tão proficiente em francês quanto os poetas que mencionou.

Tem planos para algum poema, no momento?

Não, não tenho nenhum plano no momento, mas acho que gostaria, depois de me livrar de The Elder Statesman, de escrever um pouco de prosa, crítica. Nunca planejo mais que um passo de antemão. Se quero fazer outra peça ou se quero fazer mais poesia? Não sei até descobrir.

Tem poemas inacabados que revê, de vez em quando?

Não tenho muita coisa, não. Como regra geral, tenho para mim que uma coisa inacabada é algo que pode perfeitamente ser apagado. Se existe alguma coisa de bom naquilo para ser usar em outro lugar, é melhor que fique no fundo da minha memória do que no papel, numa gaveta. Se eu deixo isso na gaveta, permanecerá o mesmo, mas se ficar na memória transformar-se-á em algo diferente. Como eu já disse, Burnt Norton começou com trechos que eu tinha eliminado de Murder in the Cathedral . Aprendi,  com Murther in the Cathedral,  que não adianta incluir lindos versos que você considera boa poesia se eles não fazem a ação avançar. Foi aí que Martin Browne me foi útil. Ele dizia: "Há uns versos muito bons aqui, mas não têm nada a ver com o que está se passando no palco".

Será que alguns de seus poemas menores são, na verdade, partes eliminadas de obras mais longas? Existem dois que soam assim, como "The Hollow Men".

Ah, esses foram esboços preliminares. Eles são anteriores. Outros eu publiquei em periódicos mas não em minha coletânea de poesias. Não se diz a mesma coisa duas vezes mum mesmo livro.

Parece que frequentemente escreve poema em partes. Eles começam separadamente? Estou pensando em Ash Wednesday, em especial.

É, da mesma forma que The Hollow Men, teve origem em poemas separados. Pelo que me lembro, um ou dois esboços iniciais de partes de Ash Wednesday apareceram em Commerce e em algum outro lugar. Aí, aos poucos, comecei a vê-lo como uma sequência. Essa é uma da maneiras como minha mente parece ter trabalhado poeticamente através dos anos: fazendo coisas separadamente e depois vendo a possibilidade de fundi-las, alterá-las, fazer uma espécie de todo com elas.

Escreve alguma coisa, agora, na esteira de Old Possun's Book of Practical Cats ou King Bolo?

Essas coisas ainda surgem, de vem em quando! Conservo algumas anotações de versos que tais, e existem ou ou dois gatos incompletos que provavelmente nunca serão escritos. Há um sobre uma gata glamourosa. Saiu triste demais. Isso nunca. Não posso fazer minhas crianças chorarem por um gato que deu errado. Ela teve uma carreira muito duvidosa, essa gata. Não ia dar certo com o público do meu volume anterior de gatos. Nunca fiz nenhum cachorro. Claro que os cachorros não parecem se prestar tão bem ao verso, coletivamente, como os gatos. Quem sabe um dia eu faça uma versão ampliada dos meus gatos. É mais provável isso do que um outro volume. Aliás, acrescentei uma poesia, originalmente feita para publicidade da Faber and Faber. Pareceu-me muito bem sucedida. Ah, sim, a gente quer manter a mão na massa, sabe como é, em todo tipo de poema, sério e frívolo, próprio e impróprio. Ninguém quer perder seus dotes.

Há uma grande curiosidade, hoje em dia, em relação ao processo de escrever. Será que poderia falar mais sobre seus hábitos ao escrever versos? Ouvi dizer que escreve a máquina.

Parte a máquina. Uma boa parte de minha nova peça, The Elder Statesman, foi feita a lápis, muito toscamente. Depois datilografei-a eu mesmo, antes que minha mulher começasse a trabalhar nela. Ao datilografar eu mesmo, faço alterações, muitas. Mas, seja a mão ou a máquina, quando componho alguma coisa de fôlego, uma peça, por exemplo, isso significa para mim um horário regular, digamos das dez à uma. Descobri que três horas por dia é mais ou menos o que consigo fazer, em termos de criação. Posso revisar, quem sabe, mais tarde. Às vezes eu sentia vontade de continuar, mas, quando olhava a coisa no dia seguinte, o que eu escrevera depois de terminadas as três horas nunca era satisfatório. É muito melhor parar e pensar em alguma coisa completamente diferente.

Já escreveu algum de seus poemas não-dramáticos com prazo marcado? Quem sabe os Four Quartets?

Apenas poesias "ocasionais". Os Quartets não tiveram prazo. Claro que o primeiro foi escrito em 1935, mas os três que foram escritos durante a guerra surgiram de maneira irregular. Em 1939, se não tivesse havido a guerra, eu provavelmente teria tentado escrever outra peça. Acho ótimo que não tenha tido essa oportunidade. Em relação a mim, o que a guerra trouxe de bom foi me impedir de escrever outra peça cedo demais. Notei algumas coisas erradas em Family Reunion, mas acho que foi muito melhor assim do que ficar com outra possível bloqueada por uns cinco anos, mais ou menos, até adquirir novo alento. A forma dos Quartets se encaixava muito bem em partes, e não precisava de tanta continuidade; não tinha importância ficar um dia ou dois sem escrever, como aconteceu tantas vezes, enquanto cumpria minhas tarefas de guerra.

Qual é a diferença entre escrever uma peça e escrever poemas?

Sinto que os dois exigem abordagens muito diferentes. Existe toda a diferença do mundo entre escrever uma peça para uma platéia e escrever um poema, que você escreve primeiramente para si mesmo - embora obviamente não fosse ficar satisfeito se o poema não significasse nada para as outras pessoas, depois. Em relação a um poema, você pode dizer: "Eu pus meus sentimentos em palavras para mim mesmo. Agora tenho o equivalente em palavras para aquele tanto que senti". Além do mais, ao fazer um poema, você escreve para sua própria voz, ao passo que, ao fazer uma peça, desde o inicio você tem que perceber que está preparando algo que vai para a mão de outras pessoas, desconhecidas no momento em que escreve. Claro que não estou dizendo que não haja momentos numa peça em que as duas abordagens possam não convergir, embora ache que, idealmente, elas deveriam. Quase sempre, em Shakespeare, elas convergem, quando ele está escrevendo uma poesia e pensando em termos de teatro, atores e platéia, tudo junto. E as duas coisas são uma. É maravilhoso quando se consegue obter isso. Comigo só acontece de vez em quando.

Acha que houve uma tendência geral em sua obra, mesmo em seus poemas, de sair de um público mais restrito para um mais amplo?

Acho que aí entram dois elementos. Primeiro, acredito que escrever para o teatro (Murder in the cathedral e The Family reunion) modificou a criação dos Four Quartets. Creio que tenha levado a uma simplificação maior da linguagem e a uma forma de falar que é mais como conversar com o leitor. Considero os Quarterts posteriores muito mais simples e fáceis de compreender do que The Waste Land e Ash Wednesday. Às vezes o que estou tentando dizer, o assunto, pode ser difícil, mas me parece que o estou dizendo de maneira mais simples. O outro elemento, acho, é apenas experiência e maturidade. Creio que nos primeiros poemas havia a questão de não conseguir - de se ter mais a dizer do que capacidade para fazê-lo e de se ter algo que se queria por em palavras e ritmo sem se ter o comando necessário para colocá-los numa forma imediatamente compreensível. Esse tipo de obscuridade surge quando o poeta ainda está no estágio de aprendizado da língua. Você tem que dizer a coisa do modo difícil. A única alternativa é não dizê-la nesse estágio. À época dos Four Quartets, eu não poderia ter escrito no estilo de The Waste Land. Em The Waste Land, não estava nem me preocupando se eu mesmo entendia o que estava dizendo. Essas coisas, no entanto, ficam mais fáceis com o tempo. Você se acostuma a ter The Waste Land ou Ulysses por perto.

Acha que os Four Quartets são seu melhor trabalho?

Acho, e gostaria de pensar que ficam melhores à medida que avançam. O segundo é melhor que o primeiro, o terceiro é melhor que o segundo e o quarto é o melhor de todos. Seja como for, minha esperança é essa.

Esta é uma pergunta muito geral, mas será que poderia dar algum conselho a um jovem poeta sobre as disciplinas ou atitudes que ele deveria cultivar para melhorar sua arte?

Acho tremendamente perigoso dar conselhos gerais. Creio que o melhor que se pode fazer por um jovem poeta é criticar em detalhe um determinado poema seu, discutir com ele, se necessário; dar-lhe uma opinião, e, se houver alguma generalização a fazer, que ele mesmo a faça. Descobri que as diferentes pessoas têm maneiras diferentes de trabalhar e que as coisas lhes vêm de formas diferentes. Ao se fazer uma afirmação, nunca se tem certeza se é válida para todos os poetas em geral ou se se trata de algo que só se aplica a si mesmo. Não creio que haja nada pior do que tentar formar as pessoas à sua própria imagem e semelhança.

Acredita que se possa fazer alguma generalização quanto ao fato de que os melhores poetas jovens, hoje em dia, pareçam ser todos professores?

Não sei. Acho que a única generalização que pode ter algum valor é a que será feita daqui a uma geração. tudo o que se pode dizer neste momento é que em épocas diferente existem possibilidades diferentes para se ganhar a vida ou limitações diferentes para se ganhar a vida. Obviamente, um poeta tem que achar um jeito de ganhar a vida sem depender da produção literária para isto.  Afinal, os artistas plásticos dão muitas aulas e os músicos também.

Acha que a carreira ótima para um poeta seria aquela que não envolvesse trabalho nenhum, exceto escrever e ler?

Não. Acho que isso seria... mas, de novo, só se pode a falar de si mesmo. É perigoso falar em uma carreira ótima para todo mundo, mas tenho certeza de que, se tivesse começado com uma renda independente, se não tivesse tido que me preocupar em ganhar a vida,  mas dedicado todo meu tempo à poesia, isso teria tido um influência debilitante em mim.

Por quê?

Acredito que para mim foi muito difícil exercer outras atividades, como trabalhar num banco, ou mesmo numa editora. Também acho que a dificuldade de não ter tanto tempo quanto gostaria me obrigou a uma maior concentração. Ou seja, evitou que eu escrevesse demais. Em geral, o perigo de não se ter nada para fazer é que se pode começar a escrever em demasia, em vez de se concentrar e se aperfeiçoar quantidades menores. Esse teria sido o meu perigo.

Hoje em dia, faz algum esforço consciente para acompanhar a atual poesia escrita  pelos jovens na Inglaterra e nos Estados Unidos?

Não sei, não conscientemente. Já fiz isso, na época em que lia pequenas resenhar e procurava novos talentos para publicar. Mas à medida que se vai ficando mais velho, fica-se menos confiante na própria capacidade de distinguir novos gênios entre os jovens. Há sempre o medo de estar seguindo o mesmo caminho que os mais velhos. Na Faber and Faber, agora, tenho um colega mais jovem que lê os manuscritos de poesia. Mas mesmo antes disso, quando topava com uma coisa nova que eu achava que tinha mérito mesmo, mostrava a amigos mais jovens em cujo julgamento crítico eu confiasse, para saber-lhes a opinião. Mas é claro que sempre existe o perigo de haver mérito onde você não viu. Por isso, prefiro que gente mais nova veja as coisas antes. Quando gostam, me mostram, e vêem se eu também gosto. Quando aparece alguma coisa que derruba gente jovem de bom gosto e discernimento e também gente mais velha, então é provável que seja alguma coisa importante. Às vezes há muita resistência. Não gostaria de pensar que estou resistindo, como resistiram ao meu trabalho quando eu era novo, gente que achou que fosse uma impostura de uma espécie ou outra.

Acha que os poetas mais jovens em geral repudiaram os experimentalismos da poesia do começo do século? Poucos poetas, agora, parecem sofrer a resistência que sua obra sofreu, mas alguns críticos mais velhos, como Herbert Head, acreditam que a poesia de T. S. Eliot tem sido uma regressão a modas fora de moda. Quando o senhor falou sobre Milton pela segunda vez, falou da função da poesia tanto como retardadora quanto como criadora de mudança na linguagem.

É, não acho que se queira uma revolução a cada dez anos.

Mas seria possível pensar que houve uma contra-revolução, mais que uma exploração de novas possibilidades?

Não, não vejo nada que me pareça uma contra-revolução? Depois de um período de afastamento das formas tradicionais, vem um período de curiosidade em fazer novas experiências com formas tradicionais. Isso pode dar origem a trabalhos muito bons, se o que aconteceu no meio tiver feito alguma diferença: quando não for uma simples volta atrás, e sim a retomada de uma forma antiga, que tenha estado fora de uso por uns tempos, para se fazer algo de novo com ela. Isso não é contra-revolucionário. Nem a mera regressão merece esse nome. Existe uma tendência, em certos quadrantes, de reverter ao cenário e aos sentimentos georgianos: e entre o público sempre há as pessoas que preferem a mediocridade e que, quando a têm, dizem: "Que alívio! Eis aqui poesia de verdade outra vez". E há também os que gostam que a poesia seja moderna, mas para quem as coisas realmente criativas são fortes demais - precisam de algo diluído. Daquilo que vi dos jovens, o que me parece o melhor não é de jeito nenhum reação. Não vou mencionar nomes, porque não gosto de fazer julgamentos públicos sobre poetas mais jovens. A melhor coisa é o aprofundamento de um caráter menos revolucionário do que aquele que surgiu no começo do século.

Tenho algumas perguntas com as quais gostaria de terminar, embora não tenham ligação entre si. Em 1945, o senhor escreveu que um poeta "tem que tomar como material a própria língua, na forma como é falada à sua volta". E mais trade escreveu que "a música da poesia, então, será a música latente no discurso comum de seu tempo". Depois do segundo comentário, criticou o "inglês padronizado da BBC". Ora, não foi essa uma das grandes mudanças dos últimos cinquenta anos, e talvez mais ainda dos últimos cinco, essa dominação crescente do discurso comercial através dos meios de comunicação? Aquilo a que se referiu como "inglês da BBC" tornou-se imensamente mais poderoso através das cadeias de televisão da BBC: e da ITA, isso para não falarmos da CBS, NBC, e ABC. Será que isso torna o problema do poeta e seu relacionamento com a fala comum mais difícil?

Levantou uma questão muito boa, aí. Acho que tem razão, torna mais difícil.

Gostaria que iniciativa fosse sua.

Certo. Mas você queria que a iniciativa fosse tomada. Portanto, assumo a responsabilidade de tomá-la: creio, de fato, que, onde existem esses meios modernos de comunicação e meios de impor o discurso e os idiomas de um pequeno número sobre uma grande massa, o problema se complica muito. Não sei até onde isso se aplicaria ao cinema, mas sem dúvida que o rádio contribuiu bastante.
Pergunto-me  se existe a possibilidade de desaparecer aquilo que chamou de discurso.
Esse é uma perspectiva muito sombria. Mas bastante provável, na verdade.

Existem outros problemas exclusivos para um escritor de nossa época? A perspectiva de aniquilação da raça humana tem algum efeito especial sobre o poeta?

Não vejo por que a perspectiva da aniquilação da raça humana deveria afetar o poeta de maneira diferente da que afeta o homem de outras vocações. Vai afetá-lo enquanto ser humano, sem dúvida, na medida de sua sensibilidade.

Outra pergunta sem ligação: compreendo que a crítica de um homem saia melhor por ele ser poeta praticante, ainda que sujeita a seus próprios preconceitos. Mas acho que escrever críticas o ajudou enquanto poeta?

Indiretamente, me ajudou de algum modo enquanto poeta - dar por escrito minha avaliação crítica dos poetas que me influenciaram e a quem admiro. É simplesmente uma questão de tornar uma influência mais consciente e mais articulada. Tem sido um impulso natural. Acredito que provavelmente meus melhores ensaios críticos sejam aqueles sobre poetas que me influenciaram, por assim dizer, muito antes que eu pensasse em escrever ensaios sobre eles. São mais valiosos, talvez, que qualquer dos meus comentários mais generalizados.

G.S. Fraser se pergunta, num ensaio que escreveu sobre os dois, se o senhor alguma vez conheceu Yeats. Dos comentários que fez sobre ele, na nossa conversa,  parecem-me que sim. Poderia nos contar em que circunstâncias o conheceu?

Claro que me encontrei com Yeats muitas vezes. Yeats era sempre muito gentil quando alguém o procurava e tinha o dom de tratar os escritores jovens como se fossem seus iguais e contemporâneos. Mas não me lembro de nenhuma ocasião em especial.

Ouvi dizer que considera sua poesia pertencente à tradição da literatura americana. Poderia nos dizer por quê?

Diria que minha poesia tem obviamente mais em comum com meus eminentes contemporâneos dos Estados Unidos do que com qualquer coisa escrita na minha geração na Inglaterra. Disso tenho certeza.

Acha que há alguma ligação com o passado americano?

Há, mas não saberia como explicar isso de forma mais definida. Ela não teria sido o que é, e imagino que não teria sido tão boa; para falar o mais modestamente possível, não teria o que é se eu tivesse nascido na Inglaterra, e não teria sido o que é se eu tivesse ficado nos Estados Unidos. É uma combinação de coisas. Mas em suas fontes, em suas nascentes emocionais, vem dos Estados Unidos.

Uma última coisa. Dezessete anos atrás, o senhor disse: "Nenhum poeta honesto jamais poderá ter certeza absoluta do valor permanente daquilo que escreveu. Ele pode ter desperdiçado seu tempo e complicado sua vida por nada". Sente a mesma coisa agora, aos setenta anos?

Pode ser que haja poetas honestos que tenham certeza.  Eu não tenho.
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Notas:
(1) The Symbolist Movement in Literature
(2) Clube literário de Harvard
(3) Livros da juventude de Pound, publicados por Elkin Mathews em 1909
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Traduzido por Beth Vieira