Entrevistada conduzida
por Donald Hall para a Paris Review nº 21, verão de 1959 e republicada no
livro: Os
escritores: as históricas entrevistas da Paris Review. São Paulo: Cia. das Letras, 1988, de onde foi extraída.
Quem sabe possamos
começar pelo começo. Lembra-se das circunstâncias em que começou a escrever
poesia em St. Louis, quando era menino?
Comecei, aos catorze
anos, sob a inspiração do Omar Khayyam de Fitzgerald, a escrever uma série de
quartetos muito sombrios, ateístas e desesperados no mesmo estilo, que
felizmente suprimi por completo - tanto assim que não existem. Nunca os mostrei
a ninguém. O primeiro poema a aparecer foi publicado primeiro na Smith Academy Record, e mais tarde em The Harvard Advocate, um exercício escrito para meu professor de
inglês, uma imitação de Ben Johnson. Ele o achou muito bom para um menino de
quinze ou dezesseis anos. Depois escrevi alguns em Harvard, apenas o suficiente
para me qualificar à candidatura de um posto de editor em The Harvard
Advocate, dos quais gostei. Aí houve uma
explosão, durante os anos de faculdade. Tornei-me muito mais prolífico, sob a
influência primeiro de Baudelaire e depois de Jules Laforgue, que descobri,
acho, no primeiro ou segundo ano de Harvard.
Foi alguém em especial
que o apresentou aos poetas franceses? Não foi Irving Babbit, suponho.
Não, Babbit teria sido
a última pessoa! O único poema que Babbit sempre teve em alta conta foi a Elegy
de Gray. É um ótimo poema, mas acho que isso mostra certas limitações da parte
de Babbit, que Deus o abençoe. Já fiz propaganda de minha fonte, creio; é o
livro de Afthur Symon sobre poesia francesa (1) que encontrei no grêmio de
Harvard. Naquele tempo o grêmio da Harvard era um lugar de encontro para
qualquer estudante que dele quisesse participar. tinham uma bibliotecazinha
muito boa, como as bibliotecas que agora existem em muitos departamentos de
Harvard. Gostei das citações que fez e fui a uma livraria de Boston (esqueci o
nome, nem sei se ainda existe), especializada em livros franceses, alemães e
outras literaturas estrangeiras, e encontrei Laforgue e outros poetas. Não
consigo imaginar por que aquela livraria teria em estoque poetas como Laforgue.
Sabe-se lá há quanto tempo o teriam, ou se havia alguém mais interessado neles.
Quando era estudante,
tinha consciência da presença dominante de certos poetas mais velhos? Hoje em
dia o poeta jovem está escrevendo na era de Eliot, Pound e Stevens. Ainda se
lembra de como via o seu próprio tempo literário? Quem sabe se sua situação não
foi muito diferente.
Acho que foi antes de
tudo uma vantagem não ter nenhum poeta vivo na Inglaterra ou nos Estados Unidos
por quem se pudesse nutrir qualquer
interesse especial. Não sei como teria sido, mas acho que teria sido uma
perturbação deveras inquietante ter esse bando de presenças dominadoras por
perto, como diz. Felizmente, não éramos amolados uns pelos outros.
Estava consciente da
existência de gente como Hardy ou Robinson?
Estava ligeiramente consciente
de Robinson porque tinha lido um artigo sobre ele em The Atlantic Monthly que citava alguns de seus poemas, mas não
era coisa que me agradasse. Quanto a Hardy, poucos sabiam, na época, que era
poeta. Liam-se os seus romances, mas a poesia só se tornou realmente notada uma
geração mais tarde. Havia também Yeats, mas era o Yeats da juventude. Era
lusco-fusco celta demais para mim. Na verdade não havia nada a não ser o
pessoal dos anos 90, todos mortos por bebida ou suicídio ou isso ou aquilo.
Ajudou Conrad Aiken com
os poemas dele, ou ele o ajudou com os seus, quando eram editores em The
Advocate?
Éramos amigos, mas não
creio que nos tenhamos influenciados um ao outro. No que dizia respeito à
literatura estrangeira, ele estava mais interessado nos italianos e espanhóis,
e eu era tudo pelos franceses.
Havia algum outro
amigo, ou amigos, que lia seus poemas e o ajudava?
Bem, havia. Havia um
homem que era amigo de meu irmão, um homem chamdo Thomas H. Thomas, que morava
em Cambridge e que viu alguns dos meus poemas em The Harvard Advocate. Escreveu-me a mais entusiasta das cartas e
em animou. Gostaria de ainda ter essa carta. Fiquei muito grato a ele por ter
me dado este incentivo.
Acredito que tenha sido
Conrad Aiken quem o apresentou, ele e seu
trabalho, a Pound.
Foi ele, sim. Aiken era
um amigo muito generoso. Tentou lançar alguns de meus poemas em Londres,
durante um verão em que esteve lá, com Harold Monro e outros. Ninguém quis
saber de publicá-los. Trouxe-os de volta para mim. Então, em 1914, acho que
estávamos os dois em Londres, no verão. Ele disse: "Vá ver Pound.
Mostre-lhe seus poemas". Ele achava que Pound podia gostar deles. Aiken
gostava, embora fossem muito diferentes dos seus.
Lembra das
circunstâncias de seu primeiro encontro com Pound?
Acho que fui lhe fazer
uma visita primeiro. Acho que causei boa impressão, naquela sua salinha
triangular em Kensington. Ele disse: "Mande-me suas poesias". E
escreveu depois: "São tão boas quanto as que conheço. Venha até aqui para
conversarmos". Aí entregou-as para Harriet Monroe, que levou algum
tempinho.
Num artigo sobre sua
época em The Advocate, incluído no livro em homenagem a seu sexagésimo
aniversário, Aiken cita uma carta antiga, escrita da Inglaterra, em que o
senhor se referia ao verso de Pound como sendo "comoventemente
incompetente". Quando mudou de opinião?
Ah! Aquilo foi um tanto
impetuoso, não é mesmo? A primeira vez que vi os versos de Pound foi através de
um dos seus editores de The Harvard Advocate, W.G. Tinckom-Fernandez, que era
amigo íntimo meu, de Conrad Aiken e dos outros poetas do Signet (2) na época.
Ele me mostrou aquelas coisinhas de Elkin Mathews, Exultations e Pesonae. (3) E disse:
" Isto aqui é da sua linha: vai gostar". Bem, na verdade não gostei.
Pareceu-me coisa romântica, um tanto fora de moda, tipo capa-e-espada. Não
fiquei muito impressionado. Quando fui ver Pound, não era exatamente um
admirador de sua obra e, embora agora considere excelente o trabalho que vi
então, estou certo de que é na sua obra posterior que estão as grandes coisas.
O senhor mencionou por
escrito que Pound reduziu The Waste Land (A Terra Desolada), um poema muito
maior originalmente, à sua forma atual. Beneficiou-se, de modo geral, com as
críticas que ele fez a seu trabalho? Ele editou outros poemas seus?
Editou. Naquela época,
sim. Era um crítico maravilhoso porque não tentava transformar nunguém numa
imitação de si mesmo. Tentava ver o que você estava tentando fazer.
O senhor ajudou algum
de seus amigos a reescrever um poema? Ezra Pound por exemplo?
Não consigo me lembrar
de nada. Claro que fiz inúmeras sugestões em manuscritos de jovens poetas nos
últimos vinte e cinco anos, mais ou menos.
O manuscrito original,
sem cortes, de The Waste Land ainda
existe?
Não pergunte a mim.
Isso é algo que não sei. É um mistério não resolvido. Vendi-o a John Quinn.
Também lhe dei um caderno de poemas não publicado, porque ele tinha sido muito
gentil comigo em várias ocasiões. Foi a última vez que os vi. Ele morreu, e os
poemas não foram postos à venda.
Que tipo de coisas
Pound cortou de The Waste Land?
Cortou partes inteiras?
Partes inteiras, sim.
Havia uma longa passagem sobre o afundamento de um navio. Não sei o que aquilo
tinha a ver com o restante, mas tinha sido inspirado pelo canto de Ulisses no
Inferno, acho. Depois havia uma outra parte que era uma imitação de Rape of the lock. Pound disse: "Não adianta tentar fazer uma coisa que alguém mais
já fez, por melhor que o consiga. Faça algo diferente".
Os cortes mudaram a
estrutura intelectual do poema?
Não. Acho que já era
sem estrutura, só que de forma mais fútil, na versão original.
Tenho uma pergunta
relacionada à composição do poema. Em Thoughts
after Lambeth, o senhor negou as alegações dos críticos que disseram que expressava
"a desilusão de uma geração" em The
Waste Land, ou negou que fosse essa sua intenção. F. R. Leavis, creio eu,
disse que o poema não mostra nenhuma progressão; por outro lado, os críticos
mais novos, que escreveram depois que foram publicados outras obras suas,
acharam The Waste Land cristão. Pergunto-me
se isso teria feito parte de suas intenções.
Não, não fez parte de
minhas intenções conscientes. Acho que em Thoughts after Lambeth falei de intenções mais num sentido negativo do que positivo, para
dizer que aquela não fora minha intenção. O que será que significa uma
"intenção"! O que se quer é desabafar alguma coisa. Não se sabe
exatamente o que é que se quer desabafar até que desabafe. Mas não poderia
aplicar a palavra "intenção" positivamente a nenhum de meus poemas.
Ou a qualquer poema.
Há mais alguma coisa
que eu queria saber sobre seu relacionamento com Pound e sobre seu começo de
carreira. Li em algum lugar que vocês dois decidiram escrever quartetos, ainda
bem jovens, porque o vers libre tinha
ido longe demais.
Acho que isso é algo
que Pound disse. E a sugestão de escrever quartetos foi dele. Ele é que me
recomendou Emaux et
Camées (4).
O que achava da relação
entre forma e conteúdo? Na época, escolhia a forma antes de saber exatamente o
que ia escrever?
De certo modo, sim. Estudávamos os originais. Estudávamos os
poemas de Gautier e então pensávamos: "Será que tenho alguma coisa a dizer
em que esta forma me seja útil?". E experimentávamos. A forma dava ímpeto
ao conteúdo.
Por que escolheu usar a
forma do vers libre em seus primeiros
poemas?
Meus primeiros vers libres, claro, foram compostos sob o esforço de praticar a mesma forma que
Laforgue. Isso significava meramente rimar versos de comprimento irregular e
fazer as rimas aparecerem em lugares irregulares. Não era assim tão libre
quanto a maior parte dos vers,
principalmente aquele tipo que Ezra chamava de "Amygism" (5) Depois,
claro, houve coisas na fase seguinte, que foram mais livres, como
"Rhapsody on a windy night". Não sei se tinha algum modelo ou prática
em mente quando escrevi isso. Simplesmente saiu assim.
Sentia, quem sabe, que
estava escrevendo contra alguma coisa, mais do que a partir de um modelo? Contra
o poeta laureado, talvez?
Não, não, não. Não acho
que estivéssemos tentando constantemente rejeitar as coisas, mas apenas
tentando descobrir o que era certo para cada um. Ignorávamos, na verdade,
poetas laureados como tal, os Robert Bridges. Não acredito que se possa
produzir boa poesia numa espécie de atentado político para derrubar alguma
coisa existente. Acho que ela apenas assume seu lugar. "Não posso dizê-lo
desta forma, que formas existem que me sirvam?" Ninguém se importava com
os modos existentes.
Acho que foi depois de
"Prufrock" e antes de "Gerontion" que escreveu os poemas em
francês que aparecem em seus Collected
poems. Por que foi que os escreveu? Escreveu mais algum, depois?
Não, e nunca mais
escreverei. Aquilo foi uma coisa muito curiosa, que eu não saberia explicar
exatamente. Na época, achei que tivesse secado por completo. Não escrevia nada
há tempos, estava meio desesperado. Comecei a escrever alguma coisa em francês
e descobri que podia, naquele momento. Acho que foi porque, quando estava
escrevendo em francês, não levei os poemas a sério e porque, não levando a
sério, não estava preocupado em não ser capaz de escrever. Fiz aquilo como uma
espécie de tour de force para ver do que eu era capaz. Durou alguns meses. Os
melhores foram publicados. Devo dizer que Ezra Pound leu todos, e Edmond Dulac,
um francês que conhecíamos em Londres, ajudou um pouco. Deixamos alguns de
lado, e suponho que tenham desaparecido completamente. Aí então, de uma hora
para outra, comecei a escrever em inglês de novo e perdi toda a vontade de
prosseguir em francês: creio que foi apenas algo que me ajudou a me por em
marcha outra vez.
Chegou a pensar em se
tornar um poeta simbolista francês. como os dois americanos do século passado?
Stuart Merrill e
Viélé-Grifin. Só fiz aquilo durante o romântico ano em que passei em Paris,
depois de Harvard. Na época, estava com a idéia de desistir do inglês,
estabelecer-me e viver ao léu em Paris e, aos poucos, escrever em francês. Mas
teria sido uma idéia tola mesmo que eu fosse muito mais bilingue do que era,
porque entre outras coisas, não acho que se possa ser um poeta bilingue. Não
sei de nenhum caso em que alguém tenha escrito grande poesia, ou mesmo apenas
boa poesia, igualmente bem em duas línguas. Acho que uma língua tem que ser
aquela na qual você se expressa em poesia, e é preciso desistir de uma para
esse fim. Além disso, acho que a língua inglesa tem, de fato, mais recursos,
sob alguns aspectos, que o francês. Em outras palavras, acho que me saí
provavelmente melhor em inglês do que jamais teria me saído em francês, mesmo
que me tivesse tão proficiente em francês quanto os poetas que mencionou.
Tem planos para algum
poema, no momento?
Não, não tenho nenhum
plano no momento, mas acho que gostaria, depois de me livrar de The Elder
Statesman, de escrever um pouco de prosa, crítica. Nunca planejo mais que um
passo de antemão. Se quero fazer outra peça ou se quero fazer mais poesia? Não
sei até descobrir.
Tem poemas inacabados
que revê, de vez em quando?
Não tenho muita coisa,
não. Como regra geral, tenho para mim que uma coisa inacabada é algo que pode
perfeitamente ser apagado. Se existe alguma coisa de bom naquilo para ser usar
em outro lugar, é melhor que fique no fundo da minha memória do que no papel,
numa gaveta. Se eu deixo isso na gaveta, permanecerá o mesmo, mas se ficar na
memória transformar-se-á em algo diferente. Como eu já disse, Burnt Norton
começou com trechos que eu tinha eliminado de Murder in the Cathedral . Aprendi, com Murther in the Cathedral, que não adianta incluir lindos versos que você
considera boa poesia se eles não fazem a ação avançar. Foi aí que Martin Browne
me foi útil. Ele dizia: "Há uns versos muito bons aqui, mas não têm nada a
ver com o que está se passando no palco".
Será que alguns de seus
poemas menores são, na verdade, partes eliminadas de obras mais longas? Existem
dois que soam assim, como "The Hollow Men".
Ah, esses foram esboços
preliminares. Eles são anteriores. Outros eu publiquei em periódicos mas não em
minha coletânea de poesias. Não se diz a mesma coisa duas vezes mum mesmo
livro.
Parece que
frequentemente escreve poema em partes. Eles começam separadamente? Estou
pensando em Ash Wednesday, em
especial.
É, da mesma forma que The Hollow Men, teve origem em poemas separados. Pelo que me lembro, um ou dois
esboços iniciais de partes de Ash Wednesday apareceram em Commerce e em
algum outro lugar. Aí, aos poucos, comecei a vê-lo como uma sequência. Essa é
uma da maneiras como minha mente parece ter trabalhado poeticamente através dos
anos: fazendo coisas separadamente e depois vendo a possibilidade de fundi-las,
alterá-las, fazer uma espécie de todo com elas.
Escreve alguma coisa,
agora, na esteira de Old Possun's Book of
Practical Cats ou King Bolo?
Essas coisas ainda
surgem, de vem em quando! Conservo algumas anotações de versos que tais, e
existem ou ou dois gatos incompletos que provavelmente nunca serão escritos. Há
um sobre uma gata glamourosa. Saiu triste demais. Isso nunca. Não posso fazer
minhas crianças chorarem por um gato que deu errado. Ela teve uma carreira
muito duvidosa, essa gata. Não ia dar certo com o público do meu volume
anterior de gatos. Nunca fiz nenhum cachorro. Claro que os cachorros não
parecem se prestar tão bem ao verso, coletivamente, como os gatos. Quem sabe um
dia eu faça uma versão ampliada dos meus gatos. É mais provável isso do que um
outro volume. Aliás, acrescentei uma poesia, originalmente feita para
publicidade da Faber
and Faber. Pareceu-me muito bem sucedida.
Ah, sim, a gente quer manter a mão na massa, sabe como é, em todo tipo de
poema, sério e frívolo, próprio e impróprio. Ninguém quer perder seus dotes.
Há uma grande
curiosidade, hoje em dia, em relação ao processo de escrever. Será que poderia
falar mais sobre seus hábitos ao escrever versos? Ouvi dizer que escreve a
máquina.
Parte a máquina. Uma
boa parte de minha nova peça, The Elder Statesman,
foi feita a lápis, muito toscamente. Depois datilografei-a eu mesmo, antes que
minha mulher começasse a trabalhar nela. Ao datilografar eu mesmo, faço
alterações, muitas. Mas, seja a mão ou a máquina, quando componho alguma coisa
de fôlego, uma peça, por exemplo, isso significa para mim um horário regular,
digamos das dez à uma. Descobri que três horas por dia é mais ou menos o que
consigo fazer, em termos de criação. Posso revisar, quem sabe, mais tarde. Às
vezes eu sentia vontade de continuar, mas, quando olhava a coisa no dia
seguinte, o que eu escrevera depois de terminadas as três horas nunca era
satisfatório. É muito melhor parar e pensar em alguma coisa completamente
diferente.
Já escreveu algum de
seus poemas não-dramáticos com prazo marcado? Quem sabe os Four Quartets?
Apenas poesias
"ocasionais". Os Quartets não tiveram prazo. Claro
que o primeiro foi escrito em 1935, mas os três que foram escritos durante a
guerra surgiram de maneira irregular. Em 1939, se não tivesse havido a guerra, eu
provavelmente teria tentado escrever outra peça. Acho ótimo que não tenha tido
essa oportunidade. Em relação a mim, o que a guerra trouxe de bom foi me
impedir de escrever outra peça cedo demais. Notei algumas coisas erradas em
Family Reunion, mas acho que foi muito melhor assim do que ficar com outra
possível bloqueada por uns cinco anos, mais ou menos, até adquirir novo alento.
A forma dos Quartets se encaixava
muito bem em partes, e não precisava de tanta continuidade; não tinha
importância ficar um dia ou dois sem escrever, como aconteceu tantas vezes,
enquanto cumpria minhas tarefas de guerra.
Qual é a diferença
entre escrever uma peça e escrever poemas?
Sinto que os dois
exigem abordagens muito diferentes. Existe toda a diferença do mundo entre
escrever uma peça para uma platéia e escrever um poema, que você escreve
primeiramente para si mesmo - embora obviamente não fosse ficar satisfeito se o
poema não significasse nada para as outras pessoas, depois. Em relação a um
poema, você pode dizer: "Eu pus meus sentimentos em palavras para mim
mesmo. Agora tenho o equivalente em palavras para aquele tanto que senti".
Além do mais, ao fazer um poema, você escreve para sua própria voz, ao passo
que, ao fazer uma peça, desde o inicio você tem que perceber que está
preparando algo que vai para a mão de outras pessoas, desconhecidas no momento
em que escreve. Claro que não estou dizendo que não haja momentos numa peça em
que as duas abordagens possam não convergir, embora ache que, idealmente, elas
deveriam. Quase sempre, em Shakespeare, elas convergem, quando ele está
escrevendo uma poesia e pensando em termos de teatro, atores e platéia, tudo
junto. E as duas coisas são uma. É maravilhoso quando se consegue obter isso.
Comigo só acontece de vez em quando.
Acha que houve uma
tendência geral em sua obra, mesmo em seus poemas, de sair de um público mais
restrito para um mais amplo?
Acho que aí entram dois
elementos. Primeiro, acredito que escrever para o teatro (Murder in the cathedral e The Family reunion) modificou a criação dos Four Quartets. Creio que tenha levado a uma simplificação maior da linguagem e a uma
forma de falar que é mais como conversar com o leitor. Considero os Quarterts posteriores muito mais simples e fáceis de
compreender do que The Waste Land e Ash
Wednesday. Às vezes o que estou tentando
dizer, o assunto, pode ser difícil, mas me parece que o estou dizendo de maneira
mais simples. O outro elemento, acho, é apenas experiência e maturidade. Creio
que nos primeiros poemas havia a questão de não conseguir - de se ter mais a
dizer do que capacidade para fazê-lo e de se ter algo que se queria por em
palavras e ritmo sem se ter o comando necessário para colocá-los numa forma
imediatamente compreensível. Esse tipo de obscuridade surge quando o poeta
ainda está no estágio de aprendizado da língua. Você tem que dizer a coisa do
modo difícil. A única alternativa é não dizê-la nesse estágio. À época dos Four
Quartets, eu não poderia ter escrito no
estilo de The Waste Land. Em The
Waste Land, não estava nem me preocupando
se eu mesmo entendia o que estava dizendo. Essas coisas, no entanto, ficam mais
fáceis com o tempo. Você se acostuma a ter The Waste Land ou Ulysses por perto.
Acha que os Four Quartets são seu melhor trabalho?
Acho, e gostaria de
pensar que ficam melhores à medida que avançam. O segundo é melhor que o
primeiro, o terceiro é melhor que o segundo e o quarto é o melhor de todos.
Seja como for, minha esperança é essa.
Esta é uma pergunta
muito geral, mas será que poderia dar algum conselho a um jovem poeta sobre as
disciplinas ou atitudes que ele deveria cultivar para melhorar sua arte?
Acho tremendamente perigoso
dar conselhos gerais. Creio que o melhor que se pode fazer por um jovem poeta é
criticar em detalhe um determinado poema seu, discutir com ele, se necessário;
dar-lhe uma opinião, e, se houver alguma generalização a fazer, que ele mesmo a
faça. Descobri que as diferentes pessoas têm maneiras diferentes de trabalhar e
que as coisas lhes vêm de formas diferentes. Ao se fazer uma afirmação, nunca
se tem certeza se é válida para todos os poetas em geral ou se se trata de algo
que só se aplica a si mesmo. Não creio que haja nada pior do que tentar formar
as pessoas à sua própria imagem e semelhança.
Acredita que se possa
fazer alguma generalização quanto ao fato de que os melhores poetas jovens,
hoje em dia, pareçam ser todos professores?
Não sei. Acho que a
única generalização que pode ter algum valor é a que será feita daqui a uma
geração. tudo o que se pode dizer neste momento é que em épocas diferente
existem possibilidades diferentes para se ganhar a vida ou limitações
diferentes para se ganhar a vida. Obviamente, um poeta tem que achar um jeito
de ganhar a vida sem depender da produção literária para isto. Afinal, os artistas plásticos dão muitas aulas
e os músicos também.
Acha que a carreira
ótima para um poeta seria aquela que não envolvesse trabalho nenhum, exceto
escrever e ler?
Não. Acho que isso
seria... mas, de novo, só se pode a falar de si mesmo. É perigoso falar em uma
carreira ótima para todo mundo, mas tenho certeza de que, se tivesse começado
com uma renda independente, se não tivesse tido que me preocupar em ganhar a
vida, mas dedicado todo meu tempo à
poesia, isso teria tido um influência debilitante em mim.
Por quê?
Acredito que para mim
foi muito difícil exercer outras atividades, como trabalhar num banco, ou mesmo
numa editora. Também acho que a dificuldade de não ter tanto tempo quanto
gostaria me obrigou a uma maior concentração. Ou seja, evitou que eu escrevesse
demais. Em geral, o perigo de não se ter nada para fazer é que se pode começar
a escrever em demasia, em vez de se concentrar e se aperfeiçoar quantidades menores.
Esse teria sido o meu perigo.
Hoje em dia, faz algum
esforço consciente para acompanhar a atual poesia escrita pelos jovens na Inglaterra e nos Estados
Unidos?
Não sei, não
conscientemente. Já fiz isso, na época em que lia pequenas resenhar e procurava
novos talentos para publicar. Mas à medida que se vai ficando mais velho,
fica-se menos confiante na própria capacidade de distinguir novos gênios entre
os jovens. Há sempre o medo de estar seguindo o mesmo caminho que os mais
velhos. Na Faber and
Faber, agora, tenho um colega mais jovem
que lê os manuscritos de poesia. Mas mesmo antes disso, quando topava com uma
coisa nova que eu achava que tinha mérito mesmo, mostrava a amigos mais jovens
em cujo julgamento crítico eu confiasse, para saber-lhes a opinião. Mas é claro
que sempre existe o perigo de haver mérito onde você não viu. Por isso, prefiro
que gente mais nova veja as coisas antes. Quando gostam, me mostram, e vêem se
eu também gosto. Quando aparece alguma coisa que derruba gente jovem de bom
gosto e discernimento e também gente mais velha, então é provável que seja
alguma coisa importante. Às vezes há muita resistência. Não gostaria de pensar
que estou resistindo, como resistiram ao meu trabalho quando eu era novo, gente
que achou que fosse uma impostura de uma espécie ou outra.
Acha que os poetas mais jovens em geral repudiaram os
experimentalismos da poesia do começo do século? Poucos poetas, agora, parecem
sofrer a resistência que sua obra sofreu, mas alguns críticos mais velhos, como
Herbert Head, acreditam que a poesia de T. S. Eliot tem sido uma regressão a
modas fora de moda. Quando o senhor falou sobre Milton pela segunda vez, falou
da função da poesia tanto como retardadora quanto como criadora de mudança na linguagem.
É, não acho que se
queira uma revolução a cada dez anos.
Mas seria possível
pensar que houve uma contra-revolução, mais que uma exploração de novas
possibilidades?
Não, não vejo nada que
me pareça uma contra-revolução? Depois de um período de afastamento das formas
tradicionais, vem um período de curiosidade em fazer novas experiências com
formas tradicionais. Isso pode dar origem a trabalhos muito bons, se o que
aconteceu no meio tiver feito alguma diferença: quando não for uma simples
volta atrás, e sim a retomada de uma forma antiga, que tenha estado fora de uso
por uns tempos, para se fazer algo de novo com ela. Isso não é
contra-revolucionário. Nem a mera regressão merece esse nome. Existe uma
tendência, em certos quadrantes, de reverter ao cenário e aos sentimentos
georgianos: e entre o público sempre há as pessoas que preferem a mediocridade
e que, quando a têm, dizem: "Que alívio! Eis aqui poesia de verdade outra
vez". E há também os que gostam que a poesia seja moderna, mas para quem
as coisas realmente criativas são fortes demais - precisam de algo diluído.
Daquilo que vi dos jovens, o que me parece o melhor não é de jeito nenhum
reação. Não vou mencionar nomes, porque não gosto de fazer julgamentos públicos
sobre poetas mais jovens. A melhor coisa é o aprofundamento de um caráter menos
revolucionário do que aquele que surgiu no começo do século.
Tenho algumas perguntas
com as quais gostaria de terminar, embora não tenham ligação entre si. Em 1945,
o senhor escreveu que um poeta "tem que tomar como material a própria
língua, na forma como é falada à sua volta". E mais trade escreveu que
"a música da poesia, então, será a música latente no discurso comum de seu
tempo". Depois do segundo comentário, criticou o "inglês padronizado
da BBC". Ora, não foi essa uma das grandes mudanças dos últimos cinquenta
anos, e talvez mais ainda dos últimos cinco, essa dominação crescente do
discurso comercial através dos meios de comunicação? Aquilo a que se referiu
como "inglês da BBC" tornou-se imensamente mais poderoso através das
cadeias de televisão da BBC: e da ITA, isso para não falarmos da CBS, NBC, e
ABC. Será que isso torna o problema do poeta e seu relacionamento com a fala
comum mais difícil?
Levantou uma questão
muito boa, aí. Acho que tem razão, torna mais difícil.
Gostaria que iniciativa
fosse sua.
Certo. Mas você queria
que a iniciativa fosse tomada. Portanto, assumo a responsabilidade de tomá-la:
creio, de fato, que, onde existem esses meios modernos de comunicação e meios
de impor o discurso e os idiomas de um pequeno número sobre uma grande massa, o
problema se complica muito. Não sei até onde isso se aplicaria ao cinema, mas
sem dúvida que o rádio contribuiu bastante.
Pergunto-me se existe a possibilidade de desaparecer
aquilo que chamou de discurso.
Esse é uma perspectiva
muito sombria. Mas bastante provável, na verdade.
Existem outros
problemas exclusivos para um escritor de nossa época? A perspectiva de
aniquilação da raça humana tem algum efeito especial sobre o poeta?
Não vejo por que a
perspectiva da aniquilação da raça humana deveria afetar o poeta de maneira
diferente da que afeta o homem de outras vocações. Vai afetá-lo enquanto ser
humano, sem dúvida, na medida de sua sensibilidade.
Outra pergunta sem
ligação: compreendo que a crítica de um homem saia melhor por ele ser poeta
praticante, ainda que sujeita a seus próprios preconceitos. Mas acho que
escrever críticas o ajudou enquanto poeta?
Indiretamente, me
ajudou de algum modo enquanto poeta - dar por escrito minha avaliação crítica
dos poetas que me influenciaram e a quem admiro. É simplesmente uma questão de
tornar uma influência mais consciente e mais articulada. Tem sido um impulso
natural. Acredito que provavelmente meus melhores ensaios críticos sejam
aqueles sobre poetas que me influenciaram, por assim dizer, muito antes que eu
pensasse em escrever ensaios sobre eles. São mais valiosos, talvez, que
qualquer dos meus comentários mais generalizados.
G.S. Fraser se
pergunta, num ensaio que escreveu sobre os dois, se o senhor alguma vez
conheceu Yeats. Dos comentários que fez sobre ele, na nossa conversa, parecem-me que sim. Poderia nos contar em que
circunstâncias o conheceu?
Claro que me encontrei
com Yeats muitas vezes. Yeats era sempre muito gentil quando alguém o procurava
e tinha o dom de tratar os escritores jovens como se fossem seus iguais e
contemporâneos. Mas não me lembro de nenhuma ocasião em especial.
Ouvi dizer que
considera sua poesia pertencente à tradição da literatura americana. Poderia
nos dizer por quê?
Diria que minha poesia
tem obviamente mais em comum com meus eminentes contemporâneos dos Estados
Unidos do que com qualquer coisa escrita na minha geração na Inglaterra. Disso
tenho certeza.
Acha que há alguma ligação
com o passado americano?
Há, mas não saberia
como explicar isso de forma mais definida. Ela não teria sido o que é, e
imagino que não teria sido tão boa; para falar o mais modestamente possível,
não teria o que é se eu tivesse nascido na Inglaterra, e não teria sido o que é
se eu tivesse ficado nos Estados Unidos. É uma combinação de coisas. Mas em
suas fontes, em suas nascentes emocionais, vem dos Estados Unidos.
Uma última coisa.
Dezessete anos atrás, o senhor disse: "Nenhum poeta honesto jamais poderá
ter certeza absoluta do valor permanente daquilo que escreveu. Ele pode ter
desperdiçado seu tempo e complicado sua vida por nada". Sente a mesma
coisa agora, aos setenta anos?
Pode ser que haja
poetas honestos que tenham certeza. Eu
não tenho.
_____
Notas:
(1) The
Symbolist Movement in Literature
(2) Clube literário de Harvard
(3) Livros da juventude de Pound, publicados por Elkin
Mathews em 1909
_____________________
Traduzido por Beth Vieira
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