Bernardo Souto:
Professor, soube que o senhor está
oferecendo um curso sobre a Doutrina
Social da Igreja. Por experiência própria, sei que apenas uma parcela
ínfima dos católicos brasileiros conhecem a DSI. Quais
são as principais consequências de tal desleixo e de que maneira esse fenômeno
pode ser explicado?
Prof. Carlos Ramalhete: Além do curso - que deve ter outra
turma em breve - há um Manual da DSI, que será publicado em breve pela
Quadrante. Quanto à pergunta propriamente dita, as consequências deste desleixo
são facílimas de ver: basta prestar atenção na mínima atuação política e no
enorme complexo de salvador num cavalo branco que nos dá Getúlios e Lulas. As
pessoas, por falta de formação na DSI, acreditam nas besteiras que lhes são
ditas por maus políticos.
BS: A maioria
dos católicos sensatos que conheço acreditam que o Concílio Vaticano II trouxe coisas positivas e negativas. Gostaria de saber o que o senhor pensa a respeito
desse tema tão controverso.
Prof. CM: O problema do CVII não é o Concílio, mas o
famigerado "espírito do concílio", que veio, como que um espírito de
porco, estragar e desfazer liminarmente tudo o que quis o Concílio real. Agora,
passados mais de 50 anos, é que estamos conseguindo começar a respirar no meio
dos miasmas absurdos de interpretações delirantes do CVII e apreciar a
realidade dos documentos conciliares, não daquele seu falso
"espírito". A decisão de S. João Paulo II de colocar tudo quanto é
documento eclesial na Internet sem dúvida ajudou muito neste ponto.
BS: O atual
Papa vem sendo amado por alguns e odiado por outros. Caso se sinta à vontade para responder, quais
são os acertos e os deslizes do pontificado de Francisco?
Prof. CM: Acertos
- ele trouxe a misericórdia divina para o centro da experiência cristã, como
deve ser; deslize, se é que se pode chamar assim: ele, como aliás todos os seus
antecessores, tem dificuldade em lidar com a mídia, que distorce tudo o que
diz.
BS: Um colega meu,
que estuda a História da Igreja há certo tempo, crê que a Teologia da
Libertação ganhou força porque nós, católicos, desdenhamos a importância das
chamadas obras de misericórdia. O que
o senhor tem a dizer a respeito dessa questão?
Prof. CM: A TL ganhou
corpo justamente porque fazia parecer que o marxismo era uma maneira de fazer
no atacado as obras de misericórdia físicas, sempre tidas como valiosas na
nossa cultura.
BS: Lendo o
famoso Compêndio da Doutrina Social da
Igreja, fiquei com a impressão – que pode muito bem ser equivocada, diga-se
de passagem – de que a Igreja Católica sugere que o tamanho do Estado deve ser intermediário – nem enorme, como
pregam os comunistas, nem microscópico, como pregam os libertários –. Gostaria
de saber a sua opinião a respeito desse tema.
Prof. CM: A questão não é o "tamanho" do
Estado (a ser medido como? Número de funcionários?), sim as funções precípuas
do Estado. A DSI vai frontalmente contra os ditames da modernidade do século
passado ao deixar ao Estado apenas o que não é passível de ser resolvido pelas
instâncias inferiores, sem contudo fazer listinhas casuísticas de o que deve e
o que não deve recair em cada esfera. No mais, parabéns por ter conseguido
encarar o Compêndio!
BS: Sabemos
que, no fundo, o conservadorismo possui raízes protestantes. Mas o marxismo,
por ser uma ideologia de base materialista e ateia, sem dúvida é um mal maior, por assim dizer. O que o
senhor pensa a respeito disso?
Prof. CM: O conservadorismo anglo-saxão que anda na
moda tem, sim, raízes protestantes. Mas nós temos também uma tradição legitimamente cristã e católica com raízes brasileiras, graças a Deus, e mais valeria
mergulhar nela que em modelos importados.
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