“Os ideólogos são ‘terríveis simplificadores’. A ideologia faz com que as pessoas deixem de enfrentar problemas específicos, e de examiná-los à luz dos méritos individuais. As respostas estão prontas, e são aceitas sem reflexão; e quando as crenças são apoiadas pelo fervor apocalíptico, as idéias se transformam em armas, com resultados espantosos.”
(Daniel Bell, O fim da ideologia)
Por
Bernardo Souto
Quanto mais simplório o
discurso, mais assimilável; quanto mais assimilável, mais adorado pelas
multidões; quanto mais adorado pelas multidões, mais raso; quanto mais raso,
mais falso. É por isso que Baudelaire dizia, com razão, que ser pouco lido é uma
glória. Antonin-Gilbert Sertillanges, em seu exemplar A Vida Intelectual, também chegou à mesma conclusão: "O
público, de modo geral, é vulgar e só gosta da vulgaridade. Os editores de
Edgar Poe diziam ser obrigados a pagar-lhe menos do que a outros, porque ele
escrevia melhor que os outros. Conheci um pintor a quem um marchand de arte
dizia: 'Seria bom tomar umas aulas.' — ?... — 'Sim, para aprender a não pintar
tão bem'. O homem dedicado à perfeição não entende essa linguagem, ele não
aceita por preço algum, sob forma alguma, ser um seguidor do que o Baudelaire
chamava de zoocracia"[i].
Baudelaire ilustra brilhantemente essa
falta de refinamento estético e intelectual do grande público – essa zoocracia – em um de seus poemas em
prosa:
O
CÃO E O FRASCO
—
Meu belo cão, meu cãozinho, meu querido totó, vem cá, vem respirar um excelente
perfume comprado no melhor perfumista da cidade.
E
o cão, agitando a cauda, o que é, suponho, entre esses pobres seres, o sinal
correspondente ao riso e ao sorriso, aproxima-se e, curioso, mete o nariz úmido
no frasco destampado; mas subitamente, recuando de susto, late contra mim, à
feição de reprimenda.
—
Ah, miserável cão! se eu te houvesse oferecido um embrulho de excremento,
decerto o cheirarias com delícia e talvez o tivesses devorado. Assim, ó indigno
companheiro de minha triste vida, tu te assemelhas ao público, a quem nunca se
devem apresentar perfumes delicados, que o exasperam, mas imundícies
cuidadosamente escolhidas.[ii]
Ora,
não há nada mais patético e deprimente do que o burro que se acha genial. É claro que, como cristãos, devemos ter
misericórdia. Mas, quando a burrice vem acompanhada da presunção e da
arrogância, é algo deveras difícil de suportar.
Qualquer
idiota, afinal de contas, deveria saber que compreender a complexidade do real
é tarefa de uma vida inteira, a menos que o Espírito Santo dê ao sujeito enorme
quantidade de sabedoria infusa, o que, convenhamos, não é lá muito freqüente...
Sócrates teve plena consciência disso, pois que conseguia intuir os limites da
cognição humana e, por isso mesmo, pôde ser um homem verdadeiramente humilde.
Também o poeta japonês Matsuo Bashō, à sua maneira, sintetizou bem tal idéia:
"Só deve ensinar quem já sabe de tudo". É uma sentença hiperbólica,
claro. Mas, pelo menos, nos ajuda a ter
um vislumbre do caminho a seguir.
Os ideólogos, contudo, têm
verdadeiro horror à complexidade do real. Por isso, a fim de justificar suas
narrativas simplórias e frágeis – com as quais tentam desesperadamente ocultar
de si mesmos o cadáver espiritual que dentro deles apodrece –, começam a
filtrar maliciosamente as notícias, numa tentativa algo desesperada de fazer do
mundo a argila com a qual moldarão seus rostos carcomidos: gesto cuja
puerilidade não deixa de ser uma espécie de paródia satânica do divino ato da
criação. E assim, à maneira dos esquizofrênicos e dos retardados crônicos, se
abrigam nestes simulacros de mundo, resguardando-se de qualquer paradoxo que
ponha em xeque a lógica precária de seus puzzles
infanto-juvenis. Para eles, tudo se resume à estrutura binária do jogo de
damas; eis por que pensam, mui ingenuamente, que o mal sempre aparece vestido
de negro...
No fundo, Ortega y Gasset estava certo, quando, no prefácio à primeira edição de A Rebelião das Massas escreveu que "ser de esquerda é, como ser de direita, uma das infinitas maneiras que o homem pode escolher para ser um imbecil; ambas, com efeito, são formas de hemiplegia moral".
No fundo, Ortega y Gasset estava certo, quando, no prefácio à primeira edição de A Rebelião das Massas escreveu que "ser de esquerda é, como ser de direita, uma das infinitas maneiras que o homem pode escolher para ser um imbecil; ambas, com efeito, são formas de hemiplegia moral".
[i] SERTILLANGES,
Antonin-Gilbert. A Vida Intelectual.
São Paulo: É Realizações, 2010. p. 16.
[ii] BAUDELAIRE,
Charles. Pequenos Poemas em Prosa.
Trad. Aurélio Buarque de Hollanda, 1950.
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