Por Bernardo Souto
"Não há mais público para o sonho." (Ângelo Monteiro, "Elegia sobre o canto")
Talvez tenha sido Carlos Drummond de Andrade o poeta que
melhor compreendeu o Brasil, assim como Whitman, sem dúvida, foi o que melhor
compreendeu os EUA. E Drummond, de fato, sacou TUDO, quando, às vésperas da
década de 1930 – ano em o livro Alguma poesia veio a lume – constata que "nesse país é proibido
sonhar” (cf. poema "Sentimental"). E como "neste país é proibido
sonhar", o José da famosa poesia drummondiana, publicada alguns anos
depois do poema "Sentimental", é um homem desesperançado e sem rumo,
incapaz de enxergar a dimensão sagrada da existência, porque, para ele, depois
de terminada a festa, "tudo acabou, tudo sumiu, tudo mofou". Assim, o
nosso trôpego José, proibido de sonhar, é incapaz de abrir a porta que dá
acesso à transcendência, pois para ele "não existe porta" e, como já
não consegue olhar para as coisas do Alto, "quer morrer no mar", esse
inconstante e furioso espelho do céu.
Ora, o José da poesia de Drummond é, de certa forma, o
oposto simétrico do Glorioso São José, Pai Nutrício do Salvador, já que é
através do sonho que o Esposo da Virgem Santíssima recebe a visita do Anjo do
Senhor, que lhe comunica a Boa Nova. O direito de sonhar, portanto, confere ao
Patriarca da Sagrada Família o acesso à Porta que fora vedada ao José
brasileiro, proibido de sonhar como o jovem apaixonado do poema
"Sentimental".
Neste e em muitos outros episódios, o sonho – esse irmão
gêmeo da poesia, da imaginação e do sagrado –, é uma das pontes que liga o
homem ao universo do numinoso e da sobrenaturalidade, assim como os
poemas-devaneios do salmista Davi, todos eles inspirados pelo Espírito Santo,
são, quando recitados por Cristo, Palavras feitas com mesma Substância de que o
Céu foi feito.
Se Calderón de la Barca estava errado, quando, em sua obra
magna, afirmou que "a vida é sonho", por certo não podemos dizer o
mesmo em relação a Shakespeare, que, em A Tempestade, afirma, por intermédio da
boca de Próspero, que "somos feitos da mesma matéria de que os sonhos são
feitos".
Mas deixemos isso de lado e voltemos a falar de política,
uma vez que "neste país é proibido sonhar".
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