sábado, 4 de março de 2017

NESTE PAÍS É PROIBIDO SONHAR






Por Bernardo Souto

"Não há mais público para o sonho."  (Ângelo Monteiro, "Elegia sobre o canto")

Talvez tenha sido Carlos Drummond de Andrade o poeta que melhor compreendeu o Brasil, assim como Whitman, sem dúvida, foi o que melhor compreendeu os EUA. E Drummond, de fato, sacou TUDO, quando, às vésperas da década de 1930 – ano em o livro Alguma poesia veio a lume  – constata que "nesse país é proibido sonhar” (cf. poema "Sentimental"). E como "neste país é proibido sonhar", o José da famosa poesia drummondiana, publicada alguns anos depois do poema "Sentimental", é um homem desesperançado e sem rumo, incapaz de enxergar a dimensão sagrada da existência, porque, para ele, depois de terminada a festa, "tudo acabou, tudo sumiu, tudo mofou". Assim, o nosso trôpego José, proibido de sonhar, é incapaz de abrir a porta que dá acesso à transcendência, pois para ele "não existe porta" e, como já não consegue olhar para as coisas do Alto, "quer morrer no mar", esse inconstante e furioso espelho do céu.

Ora, o José da poesia de Drummond é, de certa forma, o oposto simétrico do Glorioso São José, Pai Nutrício do Salvador, já que é através do sonho que o Esposo da Virgem Santíssima recebe a visita do Anjo do Senhor, que lhe comunica a Boa Nova. O direito de sonhar, portanto, confere ao Patriarca da Sagrada Família o acesso à Porta que fora vedada ao José brasileiro, proibido de sonhar como o jovem apaixonado do poema "Sentimental".

Neste e em muitos outros episódios, o sonho – esse irmão gêmeo da poesia, da imaginação e do sagrado –, é uma das pontes que liga o homem ao universo do numinoso e da sobrenaturalidade, assim como os poemas-devaneios do salmista Davi, todos eles inspirados pelo Espírito Santo, são, quando recitados por Cristo, Palavras feitas com mesma Substância de que o Céu foi feito.

Se Calderón de la Barca estava errado, quando, em sua obra magna, afirmou que "a vida é sonho", por certo não podemos dizer o mesmo em relação a Shakespeare, que, em A Tempestade, afirma, por intermédio da boca de Próspero, que "somos feitos da mesma matéria de que os sonhos são feitos".



Mas deixemos isso de lado e voltemos a falar de política, uma vez que "neste país é proibido sonhar".

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