O
Canto da Esfinge
Por Bernardo Souto, setembro de 2013
Nem todos sabem, mas, entre
as décadas de 1940 e 1960, houve uma querela crítica em torno de uma suposta
falta de brasilidade e de um possível anacronismo da poesia de Cecília Meireles
— hoje considerada uma das mais altas vozes da lírica brasileira do séc. 20.
Devemos ao ensaísta austro-brasileiro Otto Maria Carpeaux o sepultamento
definitivo de tal querela. Para Carpeaux, “a poesia da Sra. Cecília Meireles é
intemporal”. No entender do grande crítico, poesia intemporal (ou atemporal) é aquela que, por possuir inquestionável
valor estético, transcende os acidentes e as contingências temporais, ou, caso
queiramos fazer uso da já consagrada terminologia platônica, é aquela voltada
para as questões essenciais da existência – tais questões, por constituírem a
base ontológica comum a todo ser humano, jamais perdem a atualidade –.
Resgatamos este capítulo de nossa história literária a fim de apontar este
ponto de convergência entre Cecília Meireles e Ângelo Monteiro, ponto de
convergência que, por sinal, une todos os autênticos artistas da palavra.
De fato há na lírica de
Ângelo Monteiro aquele alicerce filosófico sem o qual, para G. K. Chesterton, a
poesia se torna oca. É que, ao se voltar para as questões verdadeiramente fundamentais
da condição humana – como a finitude, o exílio do homem, o sentido último da
vida – Monteiro, à maneira de Hölderlin,
nos põe face a face com o mistério da existência, devolvendo à poesia o seu
papel originário, que é de, segundo Johann Wolfgang von Goethe, ser “a voz do
inefável”. Daí não ter sido à toa que o nosso poeta escolheu o título de Todas
as Coisas Têm Língua para nomear a coletânea que reúne a maior parte de
sua obra poética, uma vez que o autor de O Exílio de Babel sempre teve a
convicção de que cabe à poesia a excelsa tarefa de traduzir “a linguagem divina
através da qual a natureza se expressa”, para usarmos a feliz expressão de filósofo
irlandês George Berkeley. Neste sentido, podemos dizer que o poeta é uma
espécie de Prometeu, ainda que o destino daquele seja, no mais das vezes, menos
trágico.
Se há um epicentro na lírica
de Ângelo Monteiro, esse epicentro é o mistério. Não aquele pseudomistério de
certas historietas góticas ou o mistério kitsch, que a indústria cultural
transformou em mercadoria enlatada. Mas aquele mistério que aponta para a
transcendência, para as bodas místicas (as palavras místico e mistério
possuem, não por acaso, o mesmo radical). E foi precisamente por isso que
utilizamos como critério para a seleção dos poemas que compõem esta antologia a
baliza do mistério. Assim sendo, procuramos privilegiar as poesias que nos
lançam diante dos mais intrigantes enigmas, pois, como nos diz o próprio poeta,
“a palavra é outra esfinge/ a invocar no poço profundo/ a velha esfinge do
destino”.
Fiquemos bastante atentos,
portanto, ao Canto da Esfinge.
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