Entrevista publicada originalmente na revista Tom, do Paraná, em meados 2013
Bernardo Souto: A
que se deve o vale-tudo estético que impera na poesia brasileira contemporânea?
Ângelo Monteiro: O que se pode esperar senão isso da
experiência de pobres estudantes colhidos numa armadilha criada por seus
desorientados mestres, que fizeram introduzir, com critérios meramente
mercadológicos, nos livros didáticos do curso médio, letras de músicas
geralmente desqualificadas em vez de textos dos nossos prosadores e poetas como
em passado mais recente?
BS: O
senhor concorda com o filósofo romeno Emil
Cioran, para quem o escritor é o ser mais vaidoso que existe?
AM: Cioran apenas nos repete a lição do Eclesiastes ao nos proclamar, para
todo o sempre, que tudo, ao final das contas, não passa de vaidade.
BS: O senhor acha que a poesia perdeu a sua função pedagógica?
BS: O senhor acha que a poesia perdeu a sua função pedagógica?
AM: Antes de perder sua função pedagógica, que é
a de nos apontar para a transcendência, por meio do seu caráter
paradigmático, ela viu desfigurada sua própria função estética, que é a de
educar os nossos sentidos.
BS: Até
que ponto o marxismo cultural contribuiu para o declínio das artes?
AM: O marxismo, por desconhecer e desprezar qualquer plano
axiológico, de acordo com sua conhecida visão coletivista ou niveladora, teria
que fatalmente colocar no mesmo nível o estético e o inestético em arte,
conforme vem acontecendo nos espaço da autonomeada arte contemporânea.
BS: Existe
alguma relação entre o ateísmo contemporâneo (neo-ateísmo) e o declínio
das artes?
AM: A morte do sagrado,seja qual
for a sua forma, leva necessariamente ao declínio das artes. Dá-se, então, uma
completa inversão da sentença do filósofo pré-socrático Tales de Mileto: “Tudo
está cheio de deuses.” Ou seja: com a erradicação do divino, tanto no seio da physis
(natureza) como no passado filosófico, quanto no seio da cultura, como no mundo
contemporâneo, a arte passa a sofrer um processo de decadência. Daí a ênfase de
pensadores como Heidegger ao considerar, como fazendo parte do que ele chama de
âmbito quadripartido os céus, a terra, os deuses e os mortais. Ou de um
Alfonso López Quintás para quem “as coisas são pontos de confluência de
realidades diversas que se entremisturam.” É impossível, portanto, qualquer
inspiração artística sem essa inter-relação vital e dinâmica entre os múltiplos
âmbitos da realidade como postulam, por exemplo, dois conhecidos biólogos do
nosso tempo, Maturana e Varella.
BS: Como
explicar o desinteresse dos jovens brasileiros pelas obras de autores
canônicos, como Camões e Machado de Assis?
AM: Esse desinteresse é justamente o resultado da redução
de toda curiosidade intelectual às diretivas da chamada cultura de massa.
BS: O
que motivou o senhor a escrever o livro Arte ou Desastre?
AM: Acredito que Arte
ou Desastre é mais uma tentativa, entre muitas talvez desconhecidas, de chamar
a atenção para o descalabro de uma cultura que, sob todos os aspectos, encarna
a mais acabada negação de si mesma.
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